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Na Telinha - O Conto da Princesa Kaguya

6 de abril de 2024

Título:
O Conto da Princesa Kaguya (Kaguya-hime no monogatari)
Produção: Studio Ghibli
Elenco: Aki Asakura, Kengo Kora, Takeo Chii
Gênero: Animação/Fantasia/Drama
Ano: 20135
Duração: 2h 17min
Classificação: Livre
Nota:★★★★★
Sinopse: Esta animação é baseada no conto popular japonês "O cortador de bambu". Kaguya era um minúsculo bebê quando foi encontrada dentro de um tronco de bambu brilhante. Passado o tempo, ela se transforma em uma bela jovem que passa a ser cobiçada por 5 nobres, dentre eles, o próprio Imperador. Mas nenhum deles é o que ela realmente quer. A moça envia seus pretendentes em tarefas aparentemente impossíveis para tentar evitar o casamento com um estranho que não ama. Mas Kaguya terá que enfrentar seu destino e punição por suas escolhas.

A animação O Conto da Princesa Kaguya, produzida pelo Studio Ghibli, é baseada numa lenda popular narrada desde o século X, O Cortador de Bambu, que faz parte da cultura japonesa e é uma das mais antigas e famosas que existem.
Ela conta a história de um casal de camponeses bem pobres e idosos que não tiveram filhos, mas criam uma garotinha que nasceu de um broto de bambu. Ela cresce e se desenvolve muito rápido, o que intriga bastante as crianças do vilarejo que logo se tornam seus amigos, principalmente um garoto chamado Sutemaru, que tem um enorme carinho por ela.




Vivendo numa casinha simples, ela brinca com os amigos, corre pela floresta e pelas montanhas, e sempre apronta alguma peripécias junto com as outras crianças. Apesar de serem pobres e passarem algumas dificuldades, ela não poderia ser mais feliz.
Mas tudo muda quando seu pai, o cortador de bambu, começa a encontrar ouro e tecidos finos no bambuzal. Ele acredita que toda essa riqueza foi enviada pelos céus para que ele possa fazer de sua filha uma princesa. E assim, ele parte com a família para a cidade, onde passam a morar num grande palácio levando um estilo de vida digno da nobreza.
Na cidade, a garota começa a aprender com a Srta. Sagami sobre os modos da corte para poder se portar como uma verdadeira dama, mas todos os luxos que lhe foram proporcionados jamais trariam a mesma alegria que ela tinha quando vivia no vilarejo, e ela passou a se sentir aprisionada por ser obrigada a seguir por um caminho que ela nunca quis.


Até que depois de um grande banquete promovido pelo seu pai, cinco pretendentes na nobreza se interessam em tomá-la como esposa, até mesmo o próprio imperador. Sem intenção de se casar com um daqueles homens, Kaguya começa a dar tarefas impossíveis de serem cumpridas numa tentativa de se livrar desses pretendentes mas, a medida que o tempo passa, suas escolhas começam a definir seu inevitável destino.


O Conto da Princesa Kaguya é uma das animações mais bonitas e sensíveis que já assisti. É uma história tocante e triste que traz reflexões profundas não apenas sobre as consequências das escolhas tomadas, mas também sobre o silenciamento e a objetificação da mulher que perdura por séculos.
A animação mostra muito da antiga cultura japonesa no que diz respeito à transformação que a mulher precisava passar para se adequar aos padrões de beleza da época, à sociedade e ao seu futuro marido, como ter o corpo modificado, os dentes escurecidos e várias outras características dolorosas que tornavam a mulher submissa. Desde o início Kaguya já demonstrava uma enorme relutância em aceitar essas imposições, ela questiona a Srta. Sagami e trata seus ensinamentos como brincadeira, ela se recusa a "ter modos", e no fundo o que ela queria era brincar com os amigos na floresta e ser livre para escolher o que quisesse. Porém, essa "rebeldia" é repreendida por todos à sua volta e Kaguya passa a acreditar que seu comportamento inadequado traz infelicidade e desgosto para seus pais, e unindo isso a obsessão do seu pai em fazer dela uma nobre princesa a qualquer custo, o que resta à garota é ceder as vontades do pai e mergulhar cada vez mais fundo num sentimento de vazio e não pertencimento...
Sua mãe entende o quanto Kaguya está sofrendo, mas não tem o que fazer a não ser consolá-la pois, por ser mulher, ela não pode confrontar o marido e faz o papel de esposa submissa e obediente.




Frustrada, deprimida, silenciada e presa na própria solidão, ela se agarra às suas lembranças mais felizes do passado, e aqui eu tenho que destacar como os traços e as cores da animação mudam conforme os sentimentos de Kaguya. O que antes parecia uma pintura em aquarela e tons pastéis, se torna rabiscos agressivos e escuros que demonstram toda a agonia, raiva e angústia sentidas pela protagonista, o que a leva a implorar para os céus que a tirem daquela situação terrível já que ninguém que seja próximo dela dá importância para o que ela realmente quer.

Eu ainda me pergunto como pode essa animação ter perdido o Oscar para Operação Big Hero, da Disney. Não que esse segundo seja ruim, mas em comparação com a obra de arte que é O Conto da Princesa Kaguya, pelamordedeus... É um pecado, quase um crime.

É uma animação com poucos diálogos, o que faz com que quem esteja assistindo acabe apreciando não só os desenhos feitos à mão com a maior delicadeza desse mundo, mas também os momentos de silêncio e contemplação dos personagens em meio a simplicidade da vida no campo em meio a natureza ou aos luxos de um palácio repleto de requinte. As coisas acontecem devagar, vão sendo digeridas aos poucos, o que acaba dando um toque tão agridoce quanto amargo diante dos acontecimentos.










Penso que por mais que o conto exista há mais de mil anos, é impossível não se surpreender com uma adaptação tão atemporal e que traz questionamentos tão relevantes sobre o papel da mulher na sociedade (que muitas vezes é impedida de ser quem ela é), sobre a felicidade poder ser encontrada nas pequenas e mais simples coisas da vida, e sobre as pessoas só darem valor ao que elas têm quando perdem...

Na Telinha - Elementos

3 de outubro de 2023

Título: Elementos (Elemental)
Distribuidora: Disney/Pixar
Elenco: Leah Lewis, Mamoudou Athie, Ronnie Del Carmen, Wendi McLendon-Covey, Mason Wertheimer
Gênero: Aventura, Fantasia, Animação
Ano: 2023
Duração: 1hr42min
Classificação: Livre
Nota: ★★★★☆
Sinopse: Em uma cidade onde os habitantes de fogo, água, terra e ar convivem, uma jovem mulher flamejante e um rapaz que vive seguindo o fluxo descobrem algo surpreendente, porém elementar: o quanto eles têm em comum.
Cidade Elemento é uma cidade onde os elementos Terra, Água e Ar sempre conviveram em harmonia desde que foram chegando para povoar o lugar. A cidade é cheia de vida, cheia de cores, com bastante água e todo mundo vive feliz, alegre e contente. Mas, quando um casal de imigrantes da Terra do Fogo, Brasa Luz e Fagulha (Bernie Lumen e Cinder no original), chegam na cidade em busca de uma vida melhor, eles não se sentem muito bem recepcionados e acolhidos pois o Fogo não é muito bem visto pelos outros seres já que podem queimar tudo. A cidade sequer havia sido projetada pensando nas necessidades ou na segurança deles, e ninguém liga se ter água pra todo lado poderia simplesmente apagar o Fogo e acabar com a existência deles. Brasa e Fagulha acabam indo morar mais afastados num bairro abandonado e caindo aos pedaços depois de terem sido rejeitados em todos os imóveis que visitaram. E, a medida que mais imigrantes de Fogo vão chegando na cidade, eles vão se reunindo no único local onde poderiam ser bem recebidos e terem segurança, formando assim a Vila do Fogo. Com o passar dos anos, a cidade foi crescendo, mas não se misturar com o Fogo acabou se tornando algo normal pra todo mundo e vida que segue.



Faísca (ou Ember no original) é a filha do casal Luz, que nasce tão logo eles chegam a cidade e se instalam na casa arruinada que conseguiram, e ela cresceu ouvindo do pai que ela herdaria a loja de conveniências que ele abriu pra poderem sobreviver alí. Agora que já está na faixa dos vinte e poucos anos, Faísca continua ajudando o pai na loja e vive questionando quando ela vai ser a dona do negócio da família. O problema é que, apesar de ela ser sempre muito eficiente no que diz respeito às demandas da loja e ter uma habilidade incrível para manipular o vidro, ela não sabe lidar com clientes sem razão, e fica descontrolada a ponto de, literalmente, explodir. Esse comportamento faz com que seu pai, por mais que já esteja mais velho e debilitado, fique adiando a própria aposentadoria por acreditar que ela ainda não está pronta pra tomar conta da loja e que precisa de mais tempo pra aprender a controlar seu temperamento.

Mas tudo começa quando Brasa deixa a filha no controle da loja numa espécie de teste. A loja, em dia de ofertas, cheia de clientes empolgados e malucos, deixa a coitada desorientada, e num dos seus momentos de surto ela corre pro porão da loja pra "explodir" longe do pessoal. A explosão acaba danificando o encanamento e o porão começa a se alagar. E como se o transtorno já não fosse grande o suficiente, Gota (Wade), um ser de Água, foi sugado pelos canos enquanto trabalhava em outro local e acabou indo parar alí sem querer. O que Faísca não esperava era Gota ser um fiscal municipal que estava fazendo uma inspeção no momento do acidente e, aproveitando que estava alí, acabou notificando a loja por várias irregularidades. Agora, sob risco de ter a loja fechada, Faísca precisa dar um jeito no problema não só pra manter a loja aberta, mas para provar que ela tem capacidade de gerenciar a loja que está prestes a herdar sem decepcionar o pai. E diante de um prazo super curto de uma semana, ela e Gota acabam se aproximando numa tentativa de resolverem esse problemão, caso contrário ela estaria acabando com o sonho da vida de seu pai. Apesar da aproximação, eles precisam ter muito cuidado pois não podem se tocar: Faísca poderia fazer Gota evaporar, ou Gota poderia simplesmente extinguir Faísca. Eles só não imaginaram que com essa convivência, mesmo sem poder se tocar e sendo o total oposto um do outro, eles combinariam tanto e que o amor seria capaz de superar todas as diferenças entre eles.



O diretor Peter Sohn, apesar de não ter tido intenção de fazer uma autobiografia, usou a própria experiência de vida quando teve a ideia da animação. Ele ainda era criança quando saiu da Coreia com a família rumo a Nova York, nos EUA, em busca do "sonho americano", logo ele se inspirou nessas experiências para contar uma história envolvente que, embora aborde a xenofobia e o racismo de forma nada velada, fala principalmente sobre um amor improvável entre dois seres completamente diferentes, seja com relação a cultura, aos costumes, a "raça", a influência da família e aos privilégios (ou a falta deles) em meio a sociedade formada majoritariamente por Água.

Enquanto o povo de Água já é estabelecido e ocupa as mais altas classes sociais dessa sociedade (como se fossem os brancos, talvez?), o povo do Fogo acaba representando os imigrantes que chegam num país novo em busca de melhores oportunidades de vida, dando um contraste bem visível e apelativo entre oriente médio e ocidente, e que acabam sendo tratados com preconceito a ponto de viverem segregados, principalmente por representarem algum tipo de "risco". Segundo o diretor, a cidade de Elemento foi inspirada na Ilha Ellis, na Nova York dos anos 60 e 70, numa época em que a imigração era algo bastante comum e foi responsável pela diversidade que existe lá até hoje sendo a maioria dos habitantes descendentes de imigrantes, mas não há menções de que país ou região exata serviu de base para a construção do povo de Fogo. Penso que talvez seja uma mistura de vários locais e tradições diferentes, mas que sofrem do mesmo preconceito. A paleta de cores quentes puxada pro vermelho, laranja e amarelo; as comidas típicas bem quentes e apimentadas; as crenças; as roupas; a trilha e efeitos sonoros com uma vibe meio árabe; e até barreira linguística passam a impressão de que possam, talvez, serem de origem muçulmana.



Uma das coisas que percebi e achei bem legal é a associação da personalidade dos personagens com os elementos no aspecto espiritual da coisa, onde o fogo representa a iniciativa, a impulsividade, a energia, o temperamento esquentado, a criatividade e o poder de ação, enquanto a água é totalmente ligada às emoções, aos sentimentos e ao fato do "deixar fluir". Podemos ver isso de uma forma bem evidente em Faísca, que é cheia de atitude e faz as coisas primeiro pra pensar depois, e Gota, que vive emocionado, fica aos prantos por qualquer motivo e em qualquer oportunidade, mas consegue inspirar, cativar e dar rumo a qualquer coisa. Até a mãe da Faísca é bastante ligada a esse universo espiritual/místico sendo capaz de ler a fumaça do destino dos casais e ainda sentir o cheiro do amor.

Faísca é uma personagem bem construída, que tem suas qualidades e defeitos assim como qualquer outra pessoa. Ela entende a situação e as dificuldades do seu povo, e é bastante grata por todos os sacrifícios que seus pais fizeram para serem bem sucedidos com a loja até chegar onde chegaram, logo ela acredita que precisa continuar esse legado em respeito e em gratidão a todo esse trabalho duro. Em contrapartida, Gota, por já viver e estar acostumado com os privilégios do povo da Água por vir de uma família mais rica, não faz a menor ideia do que é fazer parte de uma minoria oprimida oiu como a vida pra eles é muito mais difícil e sofrida. Gota simplesmente não sabe o que é viver num mundo que não foi feito pra ele.

Mas o que importa é que mesmo que eles sejam diferentes e pertençam a mundos diferentes, quando eles estão juntos, um consegue completar o que falta no outro, e pra mim o ponto alto da animação foi exatamente esse. Esse romance vai se construindo aos poucos a medida que Faísca passa a ver uma pessoa de Água, povo que ela sempre olhou com desconfiança, com outros olhos. Gota consegue suavizar o temperamento esquentado de Faísca fazendo com que ela fique menos ansiosa e consiga perceber os pequenos prazeres ao seu redor. E do outro lado, Faísca consegue mostrar pra Gota que ele também pode se impor quando necessário em vez de simplesmente aceitar tudo que aparece.



Além do tema principal de Elementos ser o romance entre Faísca e Gota, a animação também aborda a relação entre pais e filhos de uma forma bastante emocionante. Enquanto o povo da Água expressa suas emoções e sentimentos da forma mais gratuita e exagerada possível, chorando escandalosamente sem nenhuma vergonha, o povo de Fogo já é mais reservado, mais fechado, e não expressa as emoções através de palavras justamente por causa da cultura que eles tem, principalmente os homens. Eles demonstram amor nas pequenas atitudes, no cuidado com o outro no dia-a-dia e até na forma mais rígida de criação por acreditarem ser o melhor para seus filhos, e vão passando isso adiante. Apesar de Faísca respeitar os pais e fazer de tudo pra não desapontá-los a ponto de abrir mão das próprias vontades, a animação também aborda a ideia de pais que, seguindo os costumes, não só impõe aos filhos o que eles devem ou não fazer, ou com quem devem ou não se casar, como também projetam seus sonhos neles sem considerar que são indivíduos com personalidade, desejos e sonhos próprios, e que nem sempre eles irão corresponder a essas expectativas. Esse é um ponto que o pai de Faísca acaba tendo que aprender a lidar devido a experiência que ele teve com o próprio pai.

Não posso deixar de falar sobre o visual que é um show a parte. Os personagens, justamente por serem elementos, não tem contornos sólidos e "lisos". Eles são fluídos, estão em movimento constante, conseguem se adaptar e se enfiar em qualquer espaço, já que tomam qualquer forma (com exceção do povo de Terra que geralmente são plantas, cristais e afins mas que, infelizmente, não são muito abordados aqui, assim como o povo do Ar que também são só coadjuvantes) e não consigo imaginar o trabalho mega difícil e minucioso de se animar algo desse tipo, principalmente quando os personagens interagem e se "misturam" num cenário 3D. A composição de cores, iluminação e detalhes também é deslumbrante e a experiência visual como um todo é uma das coisas mais bonitas que a Disney/Pixar já fez.



Elementos é uma animação típica desses romances água com açúcar de sessão da tarde com uma história que todo mundo já viu em algum lugar, tipo amor proibido e enemies to lovers, a diferença é que dessa vez são elementos da natureza no lugar de pessoas, além de toda aquela magia da Disney que todo mundo se encanta, mas algumas incongruências no roteiro me incomodaram um pouco. A ideia de Faísca ficando responsável por solucionar um problema estrutural na cidade só pra forçar essa união entre ela e Gota, problema este que deveria ser de inteira responsabilidade da prefeitura, não me convenceu. Eles poderiam ter se unido devido a outra ameaça qualquer que fizesse um pouco mais de sentido, até mesmo porque o tal problema coloca a Vila do Fogo toda em risco. Quando os sentimentos de Faísca começam a interferir na solução que ela arranja pro problema, mostrando que ela tem suas fraquezas e fragilidades (por mais que aparente ser forte), e que isso se extende para além do seu próprio ser, fiquei com aquela cara de "é sério isso, meudeus?", mas ainda é um ponto positivo da personagem que foi abordado no meio de uma situação nada a ver.
Assisti em inglês, depois vi alguns trechos na versão dublada a título de comparação, e por mais que eu seja uma grande admiradora do trabalho de dublagem brasileiro, não achei que toda a carga emocional dos personagens conseguiu ser passada da mesma forma do que na versão original. Continuo insistindo na ideia de ver o original pois a experiência, pelo menos pra mim, é muito mais divertida e satisfatória.

No mais, apesar de ter alguns defeitos e não entrar na lista de animações favoritas, Elementos é um suspiro no meio dessa infinidade de lançamentos e live-actions desnecessários e sem a menor graça que a Disney/Pixar vem lançando ultimamente. Ele toca em pontos delicados da sociedade ao mesmo tempo que traz uma história de amor entre opostos que se atraem, contada de forma simplesmente adorável.

Na Telinha - Nimona

12 de agosto de 2023

Título
: Nimona
Distribuidora: Netflix
Elenco: Chloë Grace Moretz, Riz Ahmed, Eugene Lee Yang, Frances Conroy, Lorraine Toussaint, Beck Bennett, Indya Moore, RuPaul Charles, Julio Torres, Sarah Sherman
Gênero: Aventura, Fantasia, Animação
Ano: 2023
Duração: 1hr42min
Classificação: +12
Nota: ★★★★★
Sinopse: Um cavaleiro é acusado de um crime que não cometeu, e a única pessoa que pode ajudá-lo a provar sua inocência é Nimona, uma adolescente que está determinada a acabar com o mundo que a abandonou, que muda de forma e que também pode ser um monstro que ele jurou matar. Mas será que Nimona é realmente a vilã ou uma heroína disfarçada?

Nimona é uma das mais recentes animações lançadas pela Netflix baseada na HQ homônima criada por ND Stevenson (publicada em 2016 no Brasil pela Editora Intrínseca). A história começa com a lenda de Gloreth, uma guerreira jovem e muito corajosa que derrotou um monstro terrível que ameaçava destruir o reino onde vivia. A partir daí, ela se tornou rainha e determinou que um exército de Heróis deveria proteger o reino da ameaça de outros monstros, e que os descendentes desses heróis também se tornariam heróis, aumentando a linhagem para perpertuar esse legado e continuarem protegendo o reino da ameaça de outros monstros que poderiam surgir em algum momento.



Mil anos se passaram desde então, a sociedade vive sob um regime de monarquia que permanece com características medievais, porém bastante futurístico e com muita tecnologia, e a rainha atual, por mais que seguisse Gloreth, decide que não seria mais necessário ter sangue de Herói.
Ballister Coração Bravo (Ballister Boldheart no original), que desde criança já treinava pra se tornar um cavaleiro e, agora que se tornou adulto, era um forte candidato a ser nomeado como um Herói do Reino. Um cavaleiro que não herdou o título da família era algo que assustava assustava as pessoas, que tinham bastante preconceito com essa ideia, pois elas não sabiam se poderiam confiar suas vidas e a segurança do reino nas mãos de alguém que não era Herói de sangue como ele, mesmo que Ballister já tivesse demonstrado sua força, sua coragem, suas habilidades com a espada e conquistado a confiança da rainha. No dia da nomeação, algo dá muito errado e Ballister é acusado de um crime que não cometeu. Ele perde um braço na confusão e consegue fugir pra não ser capturado, mas fica conhecido como vilão do reino e se torna procurado.



Enquanto permanecia escondido, Ballister recebe a visita inesperada de Nimona, uma adolescente rebelde, com visual descolado, sem papas na língua, aspirante a vilã e metamorfa, que está se candidatando a "vaga" de ajudante de vilão para ajudar Balli a descobrir quem armou pra ele e, assim, poder se vingar. Mas, quando os dois unem forças, eles vão perceber que as aparências vilanescas enganam, e que há coisas bem mais profundas que vão descobrir um no outro.

Nimona me surpreendeu de uma forma super positiva, pois como não conhecia, fui assistir com expectativas zero e nem imaginei que fosse me emocionar tanto e chorar tanto com as diversas críticas sociais, com a representatividade e com a jornada incrível que os personagens adentram para se encontrarem.



A arte da animação é muito bonita, cheia de cores, movimentos fluídos e personagens com expressões marcantes, além de bater de frente com qualquer animação feita pela Disney/Pixar (que numa hora dessas deve estar bem arrependida por ter ignorado essa produção), principalmente pela abordagem audaciosa na questão do relacionamento de Ballister e Ambrosius Ouropelvis (o Herói que tem descendência direta com Gloreth e é super famoso), que embora seja discreto, existe. A trilha sonora incrível e, em conjunto com o roteiro, só torna o desenho mais emocionante.
Embora desde o começo da história já fique explícito a orientação sexual de Ballister e que existe o tema LGBTQIA+ na trama, todas as adversidades que ele precisa enfrentar não tem a ver com isso, mas sim com a armadilha que ele caiu por alguém não aceitá-lo como Herói já que ele não herdou isso de ninguém a ponto de fazer com que todos o enxerguem como vilão. Ele sofre, sim, um preconceito e passa a ser perseguido e odiado por ter se tornado esse "vilão", mas nada disso está relacionado à sexualidade dele. Com relação a Nimona não dá pra dizer o mesmo, pois mesmo que não esteja explícito, penso que seu dom de se transformar no que ela quiser está bastante ligado à fluidez de gênero, algo que ainda é tratado como tabu por grande parte das pessoas, e justamente por ela não estar encaixada dentro de um determinado padrão, ela é vista como um "monstro", como aberração que deve ser excluída da sociedade e tratada de forma hostil. Logo ela fica deslocada, nunca teve amigos, carrega um trauma bastante delicado relacionado a esse tipo de preconceito, e pensa que nunca será aceita nessa sociedade, por isso a rebeldia. Ela demora a revelar seu passado, mas quando ele vem à tona, preparem os lencinhos...



Nimona é uma animação é indicada para todas as idades por passar uma mensagem maravilhosa e super emocionante sobre amizade, aceitação, perdão, superação e ainda mostra que o conceito de herói e vilão é totalmente relativo. Às vezes o "monstro" não é exatamente um monstro. Ela ainda faz uma crítica super válida e importante sobre os falsos moralistas, os mesmos que querem controlar a sociedade através do pânico desencadeando um verdadeiro caos, fazem qualquer tipo de atrocidade e cometendo várias injustiças em nome da liberdade e dos "bons costumes".

Só posso dizer que Nimona já se tornou uma das minhas animações favoritas da vida.

Na Telinha - Bee e o Gatiorrinho

23 de maio de 2023

Título
: 
Bee e o Gatiorrinho (Bee and Puppycat)
Temporada: 1 | Episódios: 16
Distribuidora: Netflix
Elenco:  Allyn Rachel, Kent Osborne, Alexander James Rodriguez
Gênero: Aventura, Fantasia, Animação
Ano: 2022
Duração: 25min
Classificação: +10
Nota: ★★★★☆
Sinopse: Bee e o Gatiorrinho acompanha uma jovem passando por um momento difícil em sua vida quando ela encontra Gatiorrinho, uma criatura híbrida que é ao mesmo tempo cachorro e gato. Gatiorrinho ajuda Bee a se encontrar na vida a levando por diversas aventuras fantásticas em universos paralelos.

Bee and Puppycat começou como uma websérie de desenho animado, criada e escrita por Natasha Allegri. Em 2013 ela foi lançada em um episódio de apenas 10 minutos que foi dividido em duas partes no canal Cartoon Hangover no Youtube. Após ganhar popularidade na internet, a Cartoon Hangover começou seu primeiro projeto no Kickstarter para financiar os dez episódios adicionais, que atualmente conta com mais de 19 milhões de visualizações. Com o sucesso da websérie, a Netflix investiu no projeto e em 2022 lançou um reboot da animação, misturando os episódios antigos com novos, mudando alguns conceitos, dando aquela polida básica no visual pra dar continuidade à história de Bee e Puppycat, e trazendo um conteúdo inédito em episódios mais longos. Porém, entretanto, todavia, contudo, os primeiros episódios na Netflix são um tanto confusos e desorganizados, e é bem possível que a pessoa perca o interesse por não entender o que está acontecendo ou do que a animação se trata, como se tivessem lançado a série supondo que todo mundo já conheça a história quando muita gente nunca ouviu falar a caiu alí de paraquedas, então recomendo muito que os dez episódios disponíveis no Youtube sejam assistidos primeiro pra que a série seja melhor compreendida e apreciada. Vale a pena gastar uma horinha da vida assistindo no Youtube antes de ver Netflix.


Basicamente a animação gira em torno de Bee, uma moça na casa dos vinte e poucos anos, que mora numa ilha "mágica" e acabou de ser demitida de seu emprego no Cat Café. No caminho pra casa e chateada pelo ocorrido, Bee acaba encontrando uma criatura que caiu de um portal que se abriu no meio do ar chamada Puppycat.
Desempregada e sem dinheiro pra bancar o aluguel (e as despesas infinitas e descontroladas do seu novo amigo), Puppycat lhe apresenta a agência de trabalhos intergalática gerenciada por um supercomputador/tv gigante/portal chamada TempBot, e começa a levá-la pra outros mundos para que eles possam realizar alguns trabalhos temporários e ganhar dinheiro pra Bee pagar as contas.

A partir daí, a série vai se desenrolando da forma mais maluca possível, enquanto apresenta os personagens em meio a situações bizarras que, aparentemente, são desconexas e não fazem o menor sentido e revela, de forma muito sutil e sem nenhum contexto, alguns dos mistérios e dramas que os cercam.



Embora a classificação indicativa seja infantil, pra ser bem sincera, eu não acho que o desenho seja pra crianças. A complexidade da animação, que é super voltada pro surrealismo (e lembra muito Midnight Gospel) com toques e elementos tão mágicos quanto sombrios, é capaz de confundir e desgraçar a cabeça de qualquer adulto desavisado, logo não acho que as crianças vão entender muito bem o que se passa. Eu mesma estou com milhões de pontos de interrogação pairando em cima da minha cabeça, dando risadas e incrédula com as coisas que os personagens fazem e com as situações que eles se metem e, agora, bolando um monte de teorias enquanto a próxima temporada não vem.

Os personagens tem suas camadas, mas são exploradas sem muitos critérios, e enquanto algumas coisas são jogadas sem aviso, outras vão se mantendo em segredo e vão ganhando explicações somente nos últimos episódios, e é difícil segurar a curiosidade pra saber o que está acontecendo alí e o motivo. Muita coisa feita ou dita pelos personagens que parece não ter importância ou significado nenhum, vai fazer as coisas começarem a se encaixar a medida que a história avança.



Bee é bastante impulsiva, irresponsável, e sai fazendo as coisas sem pensar muito. Ela é observadora e está sempre atenta a pequenas coisas, e dá muito valor aos seus amigos fazendo tudo o que está ao seu alcance por eles, mas pra outras coisas ela não tem a menor noção. Coisas como apagar um incêndio no soco, guardar comida dentro da privada entupida, roubar brinquedos durante uma entrevista de emprego, ou carregar sua moto nas costas são coisas que ela faz com a maior naturalidade.
Puppycat é super mal humorado, impaciente e ranzinza. A primeira impressão é de que ele "atura" a Bee porque ela deixa ele fazer o que quer e se vira pra bancar seus caprichos, mas a gente sabe que ele se importa muito com ela e tem um motivo pra isso. É até legal acompanhar a evolução do relacionamento dos dois, que vai se estreitando cada vez mais. Apesar disso tudo, ele é engraçado, faz uns comentários hilários, e ainda gasta o dinheiro da Bee comprando boosts pra avançar o tempo nos joguinhos de celular porque ele não tem paciência pra esperar. Então ela tem que trabalhar pra bancar essas marmotagens. E mesmo que ela peça e explique que ele não deve gastar 500 dólares num jogo de ovos cozidos, ele faz e ela que lute.


No mesmo prédio que Bee mora, ainda tem a família de seis irmãos e uma irmã que são amigos dela, e cada um tem a própria personalidade e faz uma coisa diferente do outro. Tem um irmão médico caladão que finge de sonso, tem outro que adora peixes, outro que ama palhaços, outro que é super vaidoso e por aí vai... Dentre eles, Deckard é o melhor amigo de Bee e sempre está lá por ela, sendo compreensivo e pronto pra ajudá-la. Ele é um ótimo cozinheiro mas é a personificação da derrota quando o assunto é preparar qualquer coisa assada, tudo que ele tenta assar entra em combustão espontânea e o caos é instalado. Ele sonha em fazer um curso de culinária fora da ilha mas acha que deve abrir mão desse sonho por causa dos outros.
Cas é a única irmã dessa família de malucos e trabalha com programação. Ela é a pessoa que todo mundo procura pra resolver as coisas complicadas. Ela é boa no que faz mas não parece ser muito feliz com isso. Antigamente ela era lutadora, não era lá grandes coisas, mas pelo menos gostava disso. Na luta ela conheceu sua "rival" Toast, que é completamente obcecada por Cas e por luta, não para de perseguir ou bolar planos pra ficar próxima da coitada um segundo, se esconde dentro de paredes pra ouvir suas conversas e depois quebra tudo pra fazer aquela entrada triunfal.




Saindo da família, também tem o pequeno Cardamomo, que é amigo de Bee. Ele é um garotinho que vive um drama danado. Ele é o "senhorio" do prédio onde toda essa galera mora e leva esse trabalho muito a sério. Ele cobra o aluguel e faz os devidos reparos nos apartamentos usando sua marretinha de brinquedo, tudo isso enquanto sua mãe "dorme". O que ninguém sabe é que existe um grande mistério sobre a condição da mãe do garotinho, e num determinado ponto várias coisas na ilha começam a ter a realidade alterada por causa dela.
Essas e outras coisas relacionadas aos personagens, de onde vêm, por que fazem certos tipos de coisas, por que evitam outras e etc, acabam trazendo mais camadas, vários mistérios para a história e muitas perguntas que precisam de respostas. Como disse, algumas coisas que acontecem se encaixam e são explicadas, mas a maioria continua uma incógnita, restando aos fãs criarem suas teorias.



Assisti a animação no idioma original e, com exceção da voz de Puppycat (que foi sintetizada pelo Vocaloid Oliver) e da personagem Cas (irmã de Deckard), ouvir a voz dos personagens mais relevantes foi meio sofrível e me incomodou horrores. Não sei se as vozes dos atores foram forçadas pra combinar com as esquisitices do desenho mas, pra mim, não combinaram, são irritantes, melancólicas, não passaram a devida emoção e dão a impressão de sempre estarem "rachadas". Talvez a ideia tenha sido justamente essa, mas mesmo que eu tenha me acostumado depois, não curti. Algumas coisas na tradução também me pareceram desnecessárias e até agora estou me perguntando porque diabos Pretty Patrick, um apresentador do programa na TV do qual Bee e Puppycat são fãs número 1, virou "Patrick Patricinha".



A arte da animação é bem infantil e cheia de exageros no que diz respeito a expressões já que tem essa pegada de anime, mas é linda de viver, com uma iluminação super bonita e uma paleta de cores predominantemente em tons pastéis, super aconchegante e convidativa. A sensação é de estarmos assistindo um "anime doce". Cada vez que Bee e Puppycat visitam TempBot em busca de trabalho em outro planeta, eles vestem um uniforme diferente e mudam de cor de acordo com as características do trabalho e do mundo em questão, deixando tudo muito colorido e fofo, e ainda nos deparamos com criaturas das mais variadas espécies e formatos, desde as fofinhas, passando pelas as repugnantes, e chegando até as mais assustadoras. Inclusive também existe um mistério de criaturas que ficam perseguindo Puppycat pra dar aquele ar de suspense no desenho.



As esquisitices em si não são pontos negativos na animação, são curiosas, às vezes desconfortáveis, às vezes tem explicação ou não, às vezes emociona, mas é o que torna o desenho único, divertido e muito especial. No mais, pra quem gosta de animações diferentes, com humor bastante peculiar e alguns mistérios, eu super recomendo.

Na Telinha - Velma

4 de fevereiro de 2023

Título: Velma
Temporada: 1 | Episódios: 10
Distribuidora: HBO Max
Elenco: Mindy Kaling, Constance Wu, Glenn Howerton, Sam Richardson
Gênero: Aventura, Comédia, Policial, Animação
Ano: 2023
Duração: 25min
Classificação: +16
Nota: ★☆☆☆☆
Sinopse: Velma é uma série de comédia animada para adultos que conta a história de origem de Velma Dinkley, o cérebro subestimado por trás da gangue de Scooby-Doo.

Quando a HBO anunciou que lançaria uma animação para contar as origens da Velma, era mais do que óbvio que os fãs da franquia Scooby-Doo, criada por Hanna-Barbera em 1969, ficaram super animados com esse spin-off.
De todos os desenhos animados desse estúdio, eu particularmente gostava mais de Tom & Jerry (tanto que assisto até hoje), mas nunca rejeitei Scooby-Doo e admito que, quando criança, eu gostava daquela fórmula clichê dos mistérios que sempre eram solucionados depois de um perrengue tão mirabolante que os pobres dos personagens passavam, e me divertia com o óbvio.

Agora, depois de décadas, o que era pra ser uma série que, até onde se esperava, proporcionaria nostalgia e diversão, com um design de arte e efeitos bonitos e descolados, e com informações sobre a origem da Velma e a motivação dela pra juntar os amigos e começar a resolver mistérios, virou uma aberração total que sequer tem noção da essência da animação e nem tem um pingo de consideração pelos fãs que esperavam flores mas receberam tiros. Joe Ruby e Ken Spears, os criadores do Scooby-Doo original, devem estar se revirando no túmulo de tanto desgosto e tristeza. Os primeiros minutos já me fizeram revirar os olhos num looping infinito. Já assisti muitas animações adultas com humor ácido e pesado, que fazem piada com temas sensíveis, que são paródias de outras obras e ainda assim funcionam e são muito boas, mas com Velma não foi muito bem assim.


O mistério em si começa quando o corpo de Brenda, cuja cabeça foi literalmente desmiolada, cái de dentro do armário da Velma fazendo com que ela, inicialmente, se tornasse"suspeita" pelo crime. As detetives encarregadas de investigarem o caso, mães adotivas da Daphne, são a personificação da incompetência e precisam da ajuda dela pra descobrir quem é o assassino que anda matando as garotas populares do colégio para provar para o xerife que Velma é inocente. O problema é que Velma tem alucinações e ataques de pânico que a deixam a beira de um infarto cada vez que ela pensa em solucionar algum mistério, pois associa isso ao sumiço de sua mãe, Diya Dinkley. Velma desde criança gostava de resolver mistérios e ela acredita, sabe-se lá por que motivo, que sua mãe a abandonou por causa disso, e não consegue ficar livre dessa culpa. Assim, para tentar provar sua inocência, ela começa a seguir algumas pistas para investigar o caso do assassinato, mas ela também quer desvendar o mistério do sumiço de sua mãe numa tentativa de se curar desse trauma e parar com as alucinações. Mas outras garotas começam a aparecer mortas, outros suspeitos começam a surgir, e o caso fica pior do que já era.


Partindo dessa premissa, o primeiro ponto problemático é que, mesmo sendo sobre personagens adolescentes no ensino médio e classificação +16, a série é voltada ao público adulto. Há bastante violência gratuita e exagerada (quase no estilo Happy Tree Friends onde, por exemplo, "sem querer" um estudante aleatório tem um pé decepado), palavrões e incontáveis cenas e piadinhas infames de cunho sexual ou de estereótipos, que além de serem repetidas por milhares de vezes, não tem a menor graça e são extremamente forçadas. A primeira cena já mostra duas baratas transando do nada (???) antes de vermos um grupo de garotas adolescentes, nuas e hipersexualizadas tomando banho no vestiário do Colégio da Baía Cristal. A partir daí, já começam a utilizar do recurso da metalinguagem de forma desenfreada e completamente sofrível. O que poderia ter de relevante é completamente ofuscado pelas piadinhas esdrúxulas que se estendem ao longo dos episódios de forma repetitiva e insistente, sempre envolvendo sexo, drogas, violência, sangue, saúde mental e etc, e também por personagens secundárias, menores de idade, extremamente sexualizadas, assumidamente "vadias", que vivem fazendo caras, bocas e poses sugestivas de graça.

Quem for assistir esperando encontrar os personagens típicos com suas personalidades e características vai se frustrar. Não digo isso pela mudança de nacionalidade, etinia ou orientação sexual deles, isso é o que menos importa e inclusive acho que, às vezes, é até interessante esse tipo de mudança em prol da representatividade e afins, mas o problema é que, pelos acontecimentos se passarem antes de formarem a Mistérios SA. é muito esquisito acompanhar os personagens sob outras personalidades totalmente diferentes das quais estávamos acostumados. É como se durante esses acontecimentos eles estivessem passando por um período de amadurecimento de acordo com essas experiências que tiveram, mas o contraste é tão gritante que não fui capaz de assimilar como um personagem com características x conseguiu virar outro totalmente diferente. Por exemplo, aquela Velma esperta e sagaz do clássico deu espaço pra uma Velma incoerente, hipócrita e irritante que, mesmo traumatizada, mal dá pra ter pena, e que fica mendigando a atenção de quem ela gosta mesmo que seja desprezada, e despreza quem gosta dela no maior descaso possível.


Daphne agora é uma asiática patricinha que faz parte do grupinho de garotas populares da escola e tem um comportamento mui questionável. Ela foi a melhor amiga de Velma no passado, mas depois que se tornou popular passou a tratá-la como lixo e agora elas se odeiam. Ela namora Fred já faz um ano e não se conforma com ele evitando todas as suas investidas mais calientes, mas não desiste do boylixo pois ele também é popular na escola e eles formam um casal "bonito", até ele ser afastado dela a força.


Fred, o "galã adolescente", é o típico cara branco, rico e privilegiado que ninguém aguenta. Ele é aquele playboy inconveniente, mimado, imbecil, preconceituoso e enrustido que além de não ter amadurecido ainda fica fazendo de tudo pra conseguir a aprovação do pai, que nunca está satisfeito com nada. Ele também tem uns faniquitos disfarçados de ataque de fúria quando alguma coisa não sai conforme ele quer, e mesmo que Velma saiba o quanto ele é ridículo, ela ainda gosta dele baseado em nada, só pra rolar aquele conflito de sentimentos forçado entre o bonitão da escola, o amigo desprezado e a amiga que virou inimiga que "movimenta e traz mais emoção à trama", só que não.

E o pobre do Salsicha que era o sujeito mais good vibes  de todos, virou um streammer dependente emocional chamado Norville, engajado com terapia e causas anti-drogas (pois é) e apaixonado pela Velma. O problema é que ela o enxerga como irmão e quanto mais ele tenta se declarar e demonstrar esse sentimento pra tentar ganhar o coração da menina, mais ela ri (???). E o Scooby? Ninguém nunca nem viu.


Eu até cheguei a considerar que a adolescência é uma fase terrível e é mais do que normal haver conflitos emocionais, dramas desnecessários, exageros a se perder de vista, questões de autodescoberta e imaturidade, mas acho que o problema maior talvez seja pela série ter se vendido como algo inovador e que daria uma nova roupagem aos personagens acompanhando a atualidade, afinal, dos anos 60 pra cá as coisas já evoluíram bastante e a sociedade, apesar de ainda ter alguns atrasos, está bem diferente. Se formos comparar todas as versões de Scooby-Doo vamos encontrar diferenças e pequenas mudanças que são compreensíveis e aceitáveis. Mas em momento algum Velma dá a entender que a série seria uma paródia ou algo do tipo, parece que ela realmente se leva a sério como releitura e os roteiristas acharam que atirar lacre sem noção pra todo lado funcionaria. Se isso é algum tipo de estratégia pra justificar alguma reviravolta futura, ou só fazer com que todo mundo assista e comente, mesmo que seja pra falar mal, deu certo (a trouxa aqui comentando sobre), e não duvido que foi por causa desse hype que a segunda temporada já começou a ser desenvolvida.

Nem tenho nem vontade de comentar sobre o tema principal da série: saúde mental. Todos os personagens tem um trauma relacionado a alguma forma de abandono que reflete em seus comportamentos e precisam superar isso a medida que vão amadurecendo, e por mais que essa questão seja interessante, a abordagem é péssima, desde as crises de ansiedade e os ataques de pânico frequentes que Velma sofre e como são amenizados de um jeito impossível, até como práticas ilegais são justificadas como forma de se atingir um objetivo para pôr fim numa aflição.

Há um episódio onde passam rapidamente a ideia de que quem está de luto e deprimido pela perda de alguém quer transformar a morte alheia em algo sobre ele, como se sofrer fosse egoísmo ou sei lá. E uma observação para o mascote da saúde emocional do colégio, que se chama "Lelé" (ou "Nutso" no inglês). Porque querer fazer uma série para abordar a saúde emocional na maior parte do tempo e dar a entender que quem precisa de ajuda é "lelé da cabeça" deve ser de muito bom tom e muito engraçado.


Inclusive algumas cenas de crise estão alí de propósito pra forçar uma determinada situação entre personagens que passam longe de ser inclusivas ou sequer engraçadas, caso a ideia fosse fazer piada sobre, mas estão alí pra dar um empurrão no enredo e fazer as personagens ficarem confusas com seus sentimentos e com a própria sexualidade.

A impressão que tive é que tentaram ir pelo caminho das animações escrachadas e politicamente incorretas, dessas que estão pouco de lixando pro famigerado cancelamento que cutucam temas sensíveis sem o menor peso na consciência (como South Park ou Rick and Morty, por exemplo), mas falharam miseravelmente porque a forçação de barra pra tentar dar lições inúteis ou fazerem críticas aleatórias usando de "humor ácido" é insuportável, e é tanta coisa sendo alvo de piadas sem graça que é impossível saber ao certo quem deveria ser o público alvo desse troço. Conseguiram não só estragar, mas rebaixar o conceito de besteirol a um nível que chega a ser inacreditável. Mudaram toda a essência da coisa e transformaram os personagens só pra despejarem um monte de bobagens que brotam do além pra serem atiradas pra qualquer lado sem que façam o menor sentido dentro do contexto. Parece que só estão alí com o único propósito de se aproveitarem de temas sensíveis ou que envolvem lutas sociais, mas desvirtuando - e até invalidando - tudo como se não houvesse amanhã. Seria menos pior se criassem personagens originais pra construir uma série original em vez de se aproveitarem de uma franquia clássica só pra atrair quem já era fã e matar todos eles de decepção, afinal, as únicas coisas fiéis são os nomes que eles têm e as roupas que usam, o resto é invenção tirada da casa do chapéu. Teria risco de algo vindo do zero tomar hate por ser ridículo? Claro que sim, porque as piadas são ruins de verdade, mas pelo menos não iria gerar essa revolta e esse completo desgosto por terem destruído o que já havia se consolidado ao longo de décadas com essa ideia de "desconstrução".

Os últimos epísódios, apesar de seguirem o mesmo padrão ruim, começam a ficar menos piores porque já entram na resolução do mistério mirabolante, e mesmo que a Mistérios SA ainda não tenha sido criada, dá pra ter noção do caminho que os personagens vão seguir ao mesmo tempo que vemos que eles começam a adquirir pequenos toques da personalidade original, mas sabe-se lá quantas temporadas vão ser feitas até chegarem lá.

Enfim, não vou dizer que Velma foi a pior coisa que já assisti na vida porque tem muito lixo espalhado nas plataformas de streaming por aí, mas com certeza foi a que mais me fez revirar os olhos, tamanha a antipatia e ojeriza. Assisti esperando uma coisa nostálgica, mas saí com a sensação de que meu tempo vale menos do que duas baratas transudas.

Na Telinha - Encanto

26 de dezembro de 2021

Título
: Encanto (Encanto)
Elenco: Stephanie Beatriz, John Leguizamo, María Cecilia Botero, Diane Guerrero, Angie Cepeda, Jessica Darrow, Ravi-Cabot Convers
Gênero: Animação/Fantasia/Musical
Ano: 2021
Duração: 1h 43min
Classificação: Livre
Nota★★★★★
Sinopse: Encanto é a nova animação da Disney situada na Colômbia, sobre a extraordinária família Madrigal, que vive escondida em uma região montanhosa isolada, conhecido como Encanto. A magia da região abençoou todos os meninos e meninas membros da família com poderes mágicos, desde superforça até o dom da cura. Mirabel é a única que não tem um dom mágico. Mas, quando descobre que a magia que cerca o Encanto está em perigo, ela decide que pode ser a última esperança de sua família excepcional.

Por volta de 50 anos atrás, o casal Alma e Pedro Madrigal, junto com seus trigêmeos, precisaram abandonar o vilarejo onde viviam devido a alguns ataques que colocavam a vida de todos em risco. Eles precisavam encontrar um lugar seguro pra recomerçar a vida, e várias pessoas os seguiram em busca da mesma coisa. No caminho, numa tentativa de proteger as pessoas dos invasores, Pedro ficou pra trás e acabou sendo morto, e Alma, com seu espírito de proteção materno, viu com os próprios olhos a vela que carregava ganhar poderes mágicos, afastar os inimigos e construir uma enorme proteção em volta do vale para que ela, os filhos e as demais pessoas ficassem seguras. A chama da vela mágica não se apagaria mais, Alma, que mais tarde ficaria conhecida como Abuela, a protegeria assim como protegeria os filhos, e a casa (ou casita) dos Madrigal, que foi construída com o poder mágico da vela, ganhou vida, vai aumentando e se adaptando a cada membro da família que recebe seu poder, e se tornou uma referência na vila que ganhou o nome de Encanto.



Quando os três filhos de Alma se tornaram crianças, eles receberam um dom, e a família Madrigal começou a usar esses poderes pra ajudar os moradores do vilarejo e todos viverem felizes e em harmonia. Julieta tinha o poder de curar as pessoas com a comida que ela preparava com muito amor, Pepa era capaz de controlar o tempo de acordo com suas emoções, e Bruno tinha o dom da visão, ele enxergava o futuro. O tempo passou, Julieta e Pepa se casaram e tiveram filhos, que quando crianças também receberam seus dons. O poder de Bruno não agradava as pessoas pois ninguém queria ouvir sobre as coisas ruins que iriam acontecer, e por medo de suas previsões catastróficas serem prejudiciais, ele acabou desaparecendo da família e ninguém nunca mais ousou falar sobre ele.


Pepa e seu marido Félix tiveram três filhos: Dolores, que consegue ouvir qualquer coisa independente da distância, então sabe tudo da vida de todo mundo; Camilo, que consegue mudar de forma e se transformar em quem quiser; e o pequeno Antonio, que ama animais e está prestes a passar pela cerimônia para receber seu dom.
Julieta e Augustin tiveram três filhas: A encantadora e irresistível Isabela, que além de conjurar flores e as fazer desabrocharem, tem sucesso em tudo que faz; Luisa, que ganhou o dom da superforça e faz todo e qualquer trabalho pesado em casa e na vila; e Mirabel que para a surpresa/desgosto de Abuela, foi a única da família que não foi agraciada com o dom magia.



Como Mirabel, agora com seus quinze anos, não tem poderes, ela não se sente especial seja na família ou na comunidade, principalmente por ser bem desastrada, e passa seus dias tendo que lidar com o que pra ela, e pra Abuela, parece ser um problema. Como ela é adolescente, as coisas tomam uma proporção ainda maiores do que deviam... E partindo dessa premissa, vamos acompanhando toda a animação dos Madrigal nos preparativos da cerimônia de Antonio, até Mirabel começar a ver a casita se enchendo de rachaduras e a vela mágica em perigo, com sua chama brilhante prestes a se apagar. Ao tentar avisar à família, ela é repreendida, mas Mirabel está decidida a ignorar os avisos e descobrir porque viu isso acontecer, e porque os poderes de sua família parecem estar tão fragilizados.



Ambientado na Colômbia, Encanto é realmente um encanto de se ver. É tudo muito colorido e cheio de vida, tudo muito mágico e de encher os olhos. A trilha sonora é bem divertida e acaba servindo pra contar as partes da história que o público precisa saber pra entender alguma particularidade, conexão ou característica dos personagens, mas que não aparece em forma de acontecimento. O único problema é que algumas delas soam um pouco confusas devido a enorme quantidade de informações, e a primeira música que explica a árvore genealógica da família, por exemplo, só ficou clara pra mim quando fui assistir a animação pela segunda vez, depois de já saber quem é quem. Também não teve nenhuma música que entrou na cabeça a ponto de me fazer sair cantando por aí, como foi com Frozen ou Moana. Não que isso seja um problema, mas quando a gente ouve falar em Disney e animações musicais, a gente logo imagina e espera mais um "hit".

Sobre os personagens, eu fico cada vez mais impressionada de ver como a Disney vem se superando em apresentar pessoas reais do tipo "gente como a gente", com dilemas relevantes que causam uma reflexão super importante, independente da idade de quem esteja assistindo. Essa coisa de que numa história é preciso ter um relacionamento amoroso pra se ter um feliz para sempre, ou um vilão caricato pra acabar com os planos dos personagens está ficando cada vez mais deixada de lado, ainda bem.

Através de Mirabel, percebemos como temos o hábito de nos compararmos aos outros em relação a habilidades e propósitos, de como às vezes nos sentirmos inferiores frente a pessoas que tem algum talento ou sucesso, e como demoramos a entender que todos temos nossas qualidades, e elas são tão importantes quanto a de qualquer outro. A busca pela identidade, pelo amor próprio, e pelo sentimento de pertencimento é uma busca de todos que precisam dar valor a quem são, e como são.



Isabela e Luisa são personagens super interessantes e opostas uma da outra. Isabela, a irmã mais velha, representa a delicadeza e graciosidade, inicialmente demonstrando ser aquele arquétipo de clássica princesa Disney com direito a cabelo esvoaçante em câmera lenta e tudo, mas que tem camadas que vão sendo exploradas ao longo da história que mostram que ela está longe de ser assim. Luisa, a irmã do meio, representa a força e a resistência, aquela de quem todos esperam ajuda e socorro por se mostrar alguém inabalável, mas que no fundo se apavora com a ideia de falhar ou de não conseguir ajudar alguém. Independente disso, elas mostram como as mulheres ainda sofrem uma grande pressão na sociedade para corresponderem às expectativas e agradar os outros enquanto, por dentro, se frustram ou vivem infelizes, até enxergarem que não precisam se preocupar com os outros podendo ser livres pra serem quem quiserem ser, além de poderem tomar as próprias decisões.



Não posso deixar de falar sobre as personalidades dos demais membros da família e como eles podem representar qualquer parente nosso (isso se um deles não representa a nós mesmos). Julieta é a mãe preocupada, carinhosa, que quer manter todos felizes e de barriga cheia. Pepa é um tanto dramática, uma hora está feliz, outra hora está full pistola, fica andando pra lá e pra cá totalmente descontrolada e suas emoções vão de 0 a 100 em questão de segundos. Félix é o típico tiozão que só quer saber de diversão, dança e comilança. Dolores é a prima fofoqueira que sabe da vida de todo mundo, e por aí vai...



Abuela Alma também é uma personagem muito importante para o desenvolvimento e desfecho da história, pois ela, como a grande matriarca e base da família, representa a estrutura, estrutura esta que acabou se estendendo à própria casa por causa da magia. Desentendimentos, falta de compreensão, falta de diálogo e qualquer outra situação negativa em família que acabe colocando em risco a integridade dessa estrutura só vai machucar as pessoas e desencadear mais e mais problemas, e tudo começa quando a família rejeita as visões do futuro trágicas de Bruno sem sequer considerar ver o outro lado, como se quisessem varrer os problemas pra debaixo do tapete com a ideia de que se não podem ver é porque não existe, e se não existe, tá tudo bem. Nem se deram ao trabalho de irem procurá-lo quando ele sumiu. Depois vem Mirabel, que por não ter poderes não é a pessoa que esperavam que fosse a ponto dela se sentir culpada e até excluída por isso. Quantas famílias por aí vivem um inferno por falta de comunicação, pelo excesso de controle e zero abertura para tentar resolver as coisas com diálogo? Talvez a gente possa considerar essa questão como o "vilão" da situação toda.



Encanto é sobre isso, é sobre lidar com nossas falhas, pois ninguém é perfeito. É sobre aprender que uma coisa não pode anular a outra e que é preciso equilíbrio. É um espaço familiar, seguro e acolhedor, mas ao mesmo tempo cheio de pressão, intolerância e assuntos mal resolvidos, afinal, não é preciso ter poderes mágicos pra fazer a diferença. Uma boa conversa e atitudes positivas podem ser capazes de reparar as piores rachaduras...

Na Telinha - Raya e o Último Dragão

11 de março de 2021

Título: Raya e o Último Dragão (Raya and the Last Dragon)
Elenco: Kelly Marie Tran, Awkwafina, Gemma Chan, Alan Tudyk, Daniel Dae Kim, Sandra Oh
Gênero: Animação/Fantasia/Aventura/Distopia
Ano: 2021
Duração: 1h 57min
Classificação: Livre
Nota★★★★★
Sinopse: Há muito tempo, no mundo de fantasia de Kumandra, humanos e dragões viviam juntos em harmonia. Mas quando uma força maligna ameaçou a terra, os dragões se sacrificaram para salvar a humanidade. Agora, 500 anos depois, o mesmo mal voltou e cabe a uma guerreira solitária, Raya, rastrear o lendário último dragão para restaurar a terra despedaçada e seu povo dividido. No entanto, ao longo de sua jornada, ela aprenderá que será necessário mais do que um dragão para salvar o mundo – também será necessário confiança e trabalho em equipe.

Kumadra era o verdadeiro paraíso. Há 500 anos a terra era fértil, abundante, e humanos e dragões mágicos coexistiam na mais perfeita harmonia. Os dragões ajudavam os humanos trazendo água, chuva, e paz. Mas um dia a terra foi ameaçada pelos Druun, criaturas sombrias que se multiplicavam como pragas, e não causavam só a destruição, mas consumiam a vida de quem cruzasse seus caminhos, as transformando em pedras.
Os dragões, então, se sacrificaram para salvar a humanidade, e a única coisa que restou após a batalha foi a Jóia do Dragão, artefato mágico criado com o poder dos dragões, e capaz de destruir os monstros. A batalha se tornou uma lenda, e Sisu ficou conhecida como o dragão que derrotou os Druun e salvou Kumandra. Porém, em vez dos humanos darem valor ao sacrifício feito pelos dragões e manterem a paz e a harmonia, eles se tornaram inimigos, se dividiram em tribos, traçaram fronteiras para separar Kumandra em reinos distintos, e passaram a lutar pela posse da Jóia.



Com tantos conflitos, Kumandra deixou de existir como um único reino, e cada sub reino formado desenvolveu suas próprias características que os tornaram únicos: O deserto escaldante de Cauda está cheio de mercenários perigosos; Garra é um mercado sobre as águas habitado por lutadores muito ágeis; Presa é protegida por assassinos e gatos gigantes tão perigosos quanto seus donos; a floresta fria e sombria de Coluna é guardada por temíveis guerreiros; e Coração é o reino da paz, onde há abundância e prosperidade, e é onde a Jóia está escondida.



Agora, Chefe Benja, guardião da Jóia (e também pai de Raya), numa tentativa de unir as tribos e retomar a paz, convoca todos os cinco reinos afim de tentar fazer com que entendam de uma vez por todas que é preciso união e confiança entre os povos para que Kumandra volte a existir, caso contrário, a desconfiança e o ódio só os levarão à ruína, porém nada do que foi planejado correu como deveria, e a história de 500 anos atrás, se repetiu: os Druun ressurgiram causando devastação e transformando todos em pedra.
Seis anos depois, em meio a um cenário árido e distópico, Raya, junto com seu inseparável tatuzinho Tuk Tuk, passou a explorar o que sobrou das terras, enfrentando perigos e procurando nos rios qualquer vestígio de Sisu, numa tentativa secreta de encontrá-la e, com a ajuda dela, trazer todos aqueles que foram petrificados de volta, mas Namaari, sua adversária de Presa, sempre vai estar em seu caminho.



Como de costume, toda animação da Disney se passa em algum lugar fictício com características culturais muito marcantes de lugares reais, e Raya e o Último Dragão não é diferente. Baseado na cultura de países do sudeste asiático, como Tailândia, Malásia, Indonésia, Filipinas, entre outros (obrigada pela cola, Wikipedia), o longa evidencia comidas típicas, fenótipos, vestuário e afins desses países. Os próprios dubladores têm características físicas orientais, tanto por serem asiáticos ou por serem descendentes de um.
A história gira em torno do tema confiança e união entre as pessoas, e o que a falta delas causam na vida. A construção de mundo é incrível e a ideia de reinos distintos lembra muito a sociedade de Zootopia, e é impossível controlar a vontade de saber mais detalhes sobre o modo de vida, como e porquê as pessoas se tornaram tão egoístas, e o que mais fazem além da descrição inicial que os resume.



O cenário e os gráficos em si são um dos mais bonitos já vistos numa animação, desde as texturas dos elementos, a luz do sol que entra por uma fresta, a chuva molhando alguém, a sincronia da fala e o movimento da boca dos personagens e, principalmente, os detalhes que diferenciam cada indivíduo de forma que não pareçam todos iguais, como acontece em outras animações. Mesmo que o mundo esteja desolado, ainda é possível enxergar beleza pois ainda há esperança. Cada ambiente traz uma paleta diferente que combina muito bem com a proposta daquele reino, como por exemplo, a floresta gelada de Coluna que é cinzenta, o deserto de Cauda que é bem alaranjado, e o verde que pode representar uma vida próspera é bem evidente em Coração. O recurso de alternar o estilo gráfico quando alguns detalhes aparecem para explicar melhor a história também é ótimo e super dinâmico.



Os personagens também são ótimos e tem arcos e papeis importantes no desenrolar da trama, mas o maior e mais legal de todos, com um contraste bem evidente, é entre Raya e Sisu. Embora elas queiram a mesma coisa, a forma como encaram a vida e resolvem suas questões é totalmente oposta uma da outra. Raya não confia em ninguém, não consegue mais enxergar o melhor nas pessoas porque ali é cada um por si, ela é amargurada por ter sido traída no passado e acaba usando isso como um tipo de escudo para impedir que os outros tentem se aproximar. Ela já começa se mostrando alguém forte, mesmo que quebrada, sempre fica de cara fechada, é uma guerreira solitária e destemida, sem tempo a perder, e nada nem ninguém vão impedir que ela alcance seu objetivo de salvar o pai. Raya tem um coração enorme, mas as decepções que teve fazem com que ela não demonstre isso. Talvez ela aparente ser um tanto individualista, e até desprovida de qualquer pinguinho de otimismo, mas ela aprendeu a ser assim devido as circunstâncias.



Sisu é oposto, tanto no visual quanto na personalidade. Ela inclusive destoa bastante dos demais personagens, como se não combinasse com o padrão da animação, mas acredito que ela foi criada dessa forma, colorida, iluminada e radiante, justamente pra mostrar a diferença e o abismo que há entre pessimismo e otimismo, amargura e bom humor, raiva e alegria, cautela e vontade de dar uma chance, falta de fé e esperança. Ela quer ajudar a salvar o reino, mas é ingênua demais, sempre tenta enxergar o melhor nas pessoas por mais maldosas que aparentem ser, sempre está bem humorada e brincando mesmo quando não se deve, e quer provar pra Raya que ter confiança nos outros, independente de quem seja, é a melhor maneira de resolver os problemas e salvar o reino dos Druun. Mas, num mundo onde ninguém está disposto a ceder e nem a ouvir o que o outro tem a dizer, quando há lutas intermináveis para se conquistar algo para benefício próprio, e onde a ignorância deixa de ser uma benção para se tornar uma maldição, é difícil lidar... É difícil tomar decisões, e às vezes é preciso apenas seguir ordens, mesmo que no fundo fique claro que o medo de uma suposta retaliação é maior do que fazer a escolha certa. E é aí que entra a rival de Raya: Namaari.



Namaari, apesar de sempre estar no caminho de Raya tentando descobrir seus planos, perseguindo e atrapalhando ao máximo, não é uma vilã propriamente dita, ela só foi levada a acreditar em algo desde a infância em prol de seu povo, e acha que o caminho é sempre obedecer e lutar pelo que quer que seja, logo, embora eu tenha discordado total e ficado com ódio da forma como ela age, é compreensível pois ela tem um motivo que justifica o que ela faz. Inclusive um ponto interessante sobre a inimizade dos reinos vem do fato de que as vezes as pessoas acreditam naquilo que ouvem falar, mas que, claro, não necessariamente correspondem com a realidade...



Assim, Raya em companhia de Tuk Tuk, Sisu, e o grupo que elas formam a medida que avançam na missão, com integrantes de reinos distintos, incluindo uma bebê ninja e golpista com seus macacos delinquentes, um guerreiro que não parece saber lidar com os próprios sentimentos, e um garotinho que teve que aprender a cuidar de si mesmo, além de ajudarem com a carga dramática que vem ao final, vão tentar reparar esse estrago causado pela desunião dos povos, mesmo que Namaari insista em se intrometer, e mostrar que no meio desse caos, alguém precisa ceder e dar o primeiro passo pra mudança começar a acontecer.

Acredito que nessa animação não há um vilão do tipo clássico, que quer destruir o mundo, ou que quer dar um golpe e acabar com os mocinhos em busca de poder, acho que os Druun também não se encaixam como vilões, mas como uma consequência de péssimas decisões. O maior vilão aqui é o egoísmo, é a desunião, é a falta de diálogo, é a incapacidade de se chegar num consenso por só se pensar no individual em vez do coletivo. E cá entre nós, nos dias de hoje, com tanta tragédia acontecendo devido a essa pandemia tenebrosa, com a irresponsabilidade dos governantes que tiram decisões do bueiro, impõe qualquer absurdo e azar o povo, e com tanta gente imprudente a solta que não pensa em nada além do próprio umbigo, o que a gente vê na animação acaba indo mais além da ficção e da fantasia e é impossível não pensar que o fim está mesmo próximo... É literalmente cada um por si, e salve-se quem puder. E, talvez, pelo próprio estilo da animação, que remete a distopia e fim dos tempos, não teve espaço pra personagens sentimentais cantarolando empolgados e felizes e nem algum boy que possa sugerir qualquer interesse romântico, e aposto que mesmo se existisse ninguém estaria interessada, obrigada. 



A Disney, apesar de estar acertando demais, vem caminhando em passos mui lentos quando o assunto é representatividade LGBTQ+, e ainda acho que vai demorar um bom tempo até que os personagens realmente demonstrem explicitamente algum relacionamento, mas, não nego que a quebra total de estereótipos daquela típica princesa ingênua e indefesa (e sonsa), que espera pelo príncipe encantado, já é um grande avanço, e isso nos permite supor que Raya e Namaari possuem algo a mais que vai além da rivalidade, da luta pela sobrevivência e da busca pelos seus ideais. A química ali é inegável. Elas estão a anos luz de serem donzelas indefesas, elas metem a porrada mesmo, sem dó nem piedade, pisam duro, as lutas são brutais, beirando a letalidade, e, mesmo sabendo que a Disney jamais iria enfiar uma cena bizarra e sanguinolenta numa animação, as brigas de espadas causam uma apreensão danada, dando a impressão que a qualquer momento as tripas de alguém vão escorrer ou uma cabeça vai sair voando por aí.



O final é previsível, não vou negar, mas o rumo que a história toma até o desfecho é incrível, emocionante, cheia de significados, digna de reflexões. Chorei litros no final, chorei mesmo. É o tipo de desenho que eu posso ver e rever milhões de vezes sem cansar (igual Mulan XD).
Dito isso, só posso afirmar que, depois de Mulan, Raya se tornou a minha segunda princesa da Disney favorita, e depois dessa aventura cheia de ação e magia, acho difícil aparecer alguma outra que a desbanque. Quero todos os pops na minha mesa já.

Com estreia simultânea, Raya e o Último Dragão pode ser assistido nos cinemas (mas cuidado com a pandemia, gente!) ou no conforto de casa pela Disney+ pela incalculável bagatela de R$69,90 além da assinatura mensal do app de streaming. A partir de 23 de abril a animação entrará no catálogo e poderá ser assistida sem cobrança adicional.