Na Telinha - Venom

30 de dezembro de 2018

Título: Venom (Venom)
Elenco: Tom Hardy, Michelle Williams, Riz Ahmed
Ano: 2018
Duração: 1hr 52min
Classificação: +14
Nota
Sinopse: San Francisco, Estados Unidos. Eddie Brock (Tom Hardy) é um jornalista investigativo, que tem um quadro próprio em uma emissora local. Um dia, ele é escalado para entrevistar Carlton Drake (Riz Ahmed), o criador da Fundação Vida, que tem investido bastante em missões espaciais de forma a encontrar possíveis usos medicinais para a humanidade. Após acessar um documento sigiloso enviado à sua namorada, a advogada Anne Weying (Michelle Williams), Brock descobre que Drake tem feito experimentos científicos em humanos. Ele resolve denunciar esta situação durante a entrevista, o que faz com que seja demitido. Seis meses depois, o ainda desempregado Brock é procurado pela dra. Dora Skirth (Jenny Slate) com uma denúncia: Drake estaria usando simbiontes alienígenas em testes com humanos, muitos deles mortos como cobaias.

Quem é fã ou conhece a história de Homem-Aranha sabe que um dos seus inimigos mortais é Venom, o simbionte alienígena que precisa de um corpo hospedeiro para sobreviver na Terra.
A primeira aparição do vilão nesse universo foi em forma de "traje", e ao ser usado por Peter Parker não só potencializou seus poderes de aranha, como também começou a afetar sua personalidade, o tornando bastante violento. Quando Parker, enfim, consegue se livrar desse traje vivo, o alienígena encontra refúgio no corpo de Eddie Brock, um jornalista falido e amargurado que culpa Peter por todos os fracassos e problemas de sua vida. Basicamente, a história é essa: Brock, agora com os poderes de Venom, quer se vingar e aniquilar o Homem-Aranha.

Mas o que acontece quando a produtora decide estabelecer um universo que gira em torno de um super herói, sem o dito super herói?

Em Venom, a origem dos simbiontes se dá a partir de um pouso forçado onde esses seres, até então desconhecidos, começam a procurar o hospedeiro ideal enquanto causam diversas mortes por onde passam. Enquanto um conseguiu escapar, outros foram capturados e mantidos num laboratório para fins de pesquisas científicas. Tais pesquisas levaram Carlton Drake, o criador da Fundação Vida, a fazer testes dos simbiontes com humanos, o que resultava em suas mortes por não serem compatíveis. E quando o jornalista fracassado Eddie Brock decide investigar o que anda acontecendo nessa corporação nefasta e antiética, acaba se fundindo ao alienígena por acidente, se tornando Venom. Ele lida com o parasita que é um tipo de "voz interior", que além de não sair de sua cabeça, ainda controla seus atos e afeta seu comportamento e o que restou de sua vida social.


Com essa premissa, fica claro que a origem de Venom, assim como o que causou o fracasso e a amargura de Eddie Brock, precisaram ser modificadas para que não existisse nenhuma ligação com o Aranha, mas o problema não chega a ser somente esse. Além das explicações científicas para a condição de sobrevivência serem totalmente furadas e questionáveis, o roteiro é cheio de buracos e conveniências toscas que impedem uma coerência narrativa.


Venom cumpre com o papel de explorar um personagem icônico a fim de faturar nas bilheterias, e acredito que tenha conseguido isso com eficácia, mas só. Acredito que para que o filme se tornasse um pouco mais fiel ao personagem, já que não pôde ser fiel à história original, seria necessário cenas de ação com mais violência, daquelas bem viscerais, levando em consideração a natureza do vilão, mas foi uma coisa que não pôde ser feita devido a baixa classificação indicativa do longa. É pra se pensar que perderam uma oportunidade enorme de fazer algo digno desse vilão comedor de cabeças, pois se fosse +18 poderia ser algo bem próximo a Deadpool, mas passou muito longe...

Dessa forma, a voz estilo "Optimus Prime" de Venom soou forçada e clichê demais; as cenas interrompidas por dramas pessoais ou explicações óbvias deixam o filme fragmentado, como se fosse um trailer gigante; as tentativas de se fazer piadas desconexas com questões aleatórias para amenizar o que deveria ser brutal não funcionam; o dilema enfrentado pelo protagonista, assim como a forma como ele se comporta, ao aceitar o simbionte controlando seu corpo é tratado com superficialidade; e a ideia absurda de que eles, ao estarem conectados nessa fusão perfeita, se tornaram grandes amigos que devem combater o perigo - quando o perigo deveria ser eles - é inacreditável. Só faltou eles darem as mãos e saírem saltitando pela cidade cantando We Are the Champions. Os efeitos especiais também são exagerados e destoam dos filmes do gênero envolvendo o mesmo universo, e a experiência visual acaba sendo pura poluição.


Além da breve aparição infalível do mestre Stan Lee (RIP), a atuação do maravilhoso Tom Hardy conseguiu salvar um pouco dessa decepção cinematográfica, mas não posso negar que o homem, embora seja intenso e flexível, interpreta alguém cuja personalidade é afetada e cheia de paranoias, e em vários momentos parece estar perdido no próprio papel, como se não conseguisse definir a própria identidade devido a construção desordenada de seu personagem.


Como se tudo isso não fosse o suficiente, a cena pós-crédito ainda sugere que o bendito filme terá uma continuação envolvendo outro super vilão ainda pior do que o próprio Venom: Carnage (Carnificina), e sinceramente, depois dessa experiência horrível, não é um filme que eu vá assistir se estiver em sã consciência. Pra quem gosta de cenas de ação avulsas e que causam um pouco de empolgação, sem que o filme tenha uma história que convença, pode ser um excelente entretenimento, mas pra quem espera o mínimo de fidelidade com o original ou coerência narrativa, é decepção na certa.

Wishlist #62 - Funko Pop - The Hunger Games

27 de dezembro de 2018

Como fã da trilogia Jogos Vorazes (dos livros, por obséquio), é claro que os pops dessa franquia não poderiam faltar na lista de desejos infinita que tenho. Se por um lado fiquei feliz pelo set ser relativamente pequeno, por outro fiquei chateada por faltar personagens memoráveis, e pelos pops da Katniss valorizarem cada vez mais e andarem custando os olhos da própria cara, o que me faz não colocar a coleção na lista de prioridades. Mas não custa deixar aqui o registro de que quero esses cabeçudos lindos e fofineos.


Juntos Somos Eternos - Jeff Zentner

22 de dezembro de 2018

Título: Juntos Somos Eternos
Autor: Jeff Zentner
Editora: Seguinte
Gênero: Jovem Adulto/Drama
Ano: 2018
Páginas: 344
Nota:★★★★★
Sinopse: Dill não é um garoto popular na escola - e não é culpa dele. Depois de seu pai se envolver em um escândalo, o garoto se tornou alvo de piadas dos colegas e passou a ser evitado pela maioria das pessoas na cidadezinha onde mora. Felizmente, ele pode contar com seus melhores amigos, Travis e Lydia, que se sentem tão excluídos ali quanto ele. Assim que os três começam o último ano do ensino médio, mudar de vida parece um sonho cada vez mais distante para Dill. Enquanto Travis está feliz em continuar no interior e Lydia pretende fazer faculdade em uma cidade grande, Dill carrega o peso das dívidas que seu pai deixou para trás. Só que o futuro nem sempre segue nossos planos - e a vida de Dill, Travis e Lydia está prestes a mudar para sempre.

Resenha: Com o ensino médio chegando ao fim, Dill, Travis e Lydia começam a pensar nas mudanças de suas vidas: dilemas com o curso a fazer na faculdade, e como suas escolhas vão afetar suas vidas começaram a surgir. Travis parece não querer sair do seu mundinho, Lydia tem sonhos de ir embora pra cidade grande, e Dill carrega um peso enorme por algo que ele não fez. Mas juntos, os três amigos vão ser capazes de se apoiarem para superar os problemas...

Quando eu peguei o livro e li a sinopse, já imaginei fui imaginando uma trama super clichê e previsível, mas me surpreendi quando me deparei com uma história sobre como três melhores amigos, muito unidos, deram conta de enfrentar e superar seus problemas.
A narrativa é em terceira pessoa com foco em Dill, Travis e Lydia, e começa de uma forma bem lenta e sem nada muito interessante acontecendo. A vida dos personagens vai sendo exposta devagar e por serem adolescentes comuns, com vidas aparentemente normais, é perfeitamente possível nos colocarmos em seus lugares. Até os dramas bem delicados de suas famílias começarem a surgir, e as coisas começarem a ficar mais difíceis e intensas.

Talvez eu tenha me conectado e me surpreendido com essa história por que uma das coisas que ela deixa bem claro é a importância da amizade, de manter os amigos verdadeiros por perto e como o apoio deles é importante. Sabe aquela sensação de sentir que tudo está dando errado, mas com amigos é mais fácil suportar? Foi o que senti enquanto estava lendo esse livro, e depois de pensar por algum tempo, passei a valorizar ainda mais os amigos que tenho.

Depois que o pai de Dill foi preso, o escândalo foi enorme e ele passou a ser rejeitado pela maioria dos colegas da escola, como se ele tivesse alguma culpa pelo que seu pai fez. Ele é um menino muito gentil e legal, mas é oprimido frequentemente pela mãe, uma fanática religiosa maluca que sempre o acusava de agir contra os ensinamentos e a vontade divina. Esses fatores acabaram sendo a causa do abalo psicológico de Dill.
Travis também enfrenta vários problemas com o pai, que é muito agressivo e abusivo, e isso faz com que ele procure refúgio em seus livros, como forma de sair dessa realidade que o machuca.
Lydia, diferente dos garotos, é uma blogueira de moda e seu sonho é fazer faculdade numa cidade grande. De início ela aparece como uma menina muito mimada, arrogante e cheia de vontades, como se achasse que ser "famosa" a colocasse num tipo de pedestal acima dos outros, mas com o desenrolar da trama e com a proximidade com Dill e Travis, ela começa a perceber o quanto estava sendo ridícula e começa a mudar.

Posso dizer que Juntos Somos Eternos foi um dos melhores livros que já li. É um livro com seus momentos repletos de dor, e sobre as verdades que evitamos e são difíceis de enfrentar (e em alguns momentos cheguei a chorar), mas a mensagem sobre amizade, esperança e sobre a existência de algo maior do que nós é linda, dá um quentinho no coração, arranca aquele sorriso discreto no cantinho da boca e fica na memória pra sempre.

Romance Tóxico - Heather Demetrios

19 de dezembro de 2018

Título: Romance Tóxico
Autora: Heather Demetrios
Editora: Seguinte
Gênero: Romance/Jovem Adulto
Ano: 2018
Páginas: 416
Nota:★★★★★
Sinopse: Grace quer sair de casa. Ela se sente sufocada pelo padrasto agressivo e pela mãe obsessiva, que a faz esfregar o chão até toda a poeira (que só ela enxerga) sumir. Quer ir embora da cidadezinha onde mora, na Califórnia, pequena demais para seus sonhos. Quer fugir da vida que leva e se tornar uma artista em Paris, uma diretora de teatro em Nova York… qualquer futuro que seja distante do medo e da solidão que sente.
Então ela se aproxima de Gavin: charmoso, talentoso e adorado por todos da escola. Quando os dois se apaixonam, Grace tem certeza de que aquele romance é bom demais para ser verdade. Mas as suas amigas enxergam um outro lado do garoto — controlador e perigoso —, que, com o tempo, vai transformar o relacionamento dos dois em uma prisão da qual Grace será incapaz de escapar sozinha.

Resenha: Grace tem dezessete anos e está no segundo ano do ensino médio. Depois que sua mãe se casou pela segunda vez, tudo começou a desandar. O Gigante, apelido que ela deu para o padrasto, é um homem agressivo e abusivo, e que faz da vida de todo mundo um inferno. Diante dessa condição, a mãe de Grace desenvolveu uma obsessão por limpeza e obriga as filhas a limparem a sujeiras que só ela enxerga, como se uma casa limpa a deixasse livre dos problemas que enfrenta com o marido. Sem poder enfrentar a mãe e o padrasto, Grace só quer ir embora de onde mora para ficar livre de tanto tormento e viver a vida que sempre sonhou. As únicas pessoas com quem Grace pode realmente contar, aquelas que fazem do seu dia algo melhor, são suas duas amigas, Nat e Lys.
Até que, depois de alguns acontecimentos, Grace se aproxima de Gavin, um cara cheio de charme e super popular na escola, mas mal sabia ela que esse envolvimento seria a última coisa de que ela precisava ter na vida, principalmente quando só queria ser feliz. Gavin é controlador, quer que Grace seja submissa, e escapar desse relacionamento vai ser uma tarefa quase impossível.

Antes de começar a resenha, pensei numa forma simples de tentar explicar a situação. Se jogarmos uma rã em água fervente, ela irá pular para escapar da morte... Mas se colocarmos ela na água fria e esquentarmos aos poucos, ela não se dará conta do que está acontecendo até ser tarde demais... E,  basicamente, é isso que acontece com Grace em Romance Tóxico.

O livro começa pelo final, como se fosse uma carta para o namorado, onde Grace, depois de conseguir sair dessa situação desesperadora, explica como sua vida com a família era complicada, como foi conhecê-lo e se apaixonar por ele, e como ela conseguiu se livrar do inferno que foi esse relacionamento tão destrutivo. Então desde o início já sabemos que ela está livre, mas é a partir de sua visão crua dos fatos é que vamos descobrir como ela conseguiu.

A voz de Grace é muito real, a forma como ela expõe seus pensamentos e sentimentos é intensa e surpreendente, e é impossível não se colocar em sua pele e viver e sentir suas dores. A leitura, em alguns pontos, causa desconforto e angústia, a vontade é de tirar Grace das páginas para ajudá-la a ficar livre, mandando tanto o namorado manipulador quanto a família desestruturada que a trata como se ela não fosse digna de amor ou respeito, para o quinto dos infernos.
A forma como a autora desenvolve a trama faz com que seja possível qualquer um sentir empatia pela garota, e mesmo aquelas que nunca tiveram um relacionamento abusivo vão conseguir compreender bem como isso funciona, o que se passa na cabeça da vítima, e por que é tão difícil se livrar do namorado.

Por não ter amor em casa e se sentir inútil, Grace se apegou a quem lhe deu valor. O começo foi lindo, o romance parecia ser aqueles de novela, arrebatador, intenso, eterno... Até tudo ruir e a sensação ser a da dor na alma, e do gosto amargo que aquilo se tornou. A mensagem não é sutil, muito pelo contrário. Ela é clara o bastante para ajudar qualquer um a identificar e entender o problema, a perceber o quanto tudo está um caos quando pensamos ou temos esperança de que tudo está ou vai ficar bem.

Não tem como deixar de falar da amizade verdadeira e cheia de cumplicidade entre Grace, Nat e Lys. Se não fosse pelas amigas, ninguém sabe o que seria da vida de Grace nas mãos de Gavin. Elas são espirituosas e engraçadas, mas também complexas e determinadas. O que importa é que elas são as primeiras a perceberem a enorme cilada que a amiga caiu, e também as primeiras a lhe darem o apoio necessário pra que ela consiga escapar da prisão emocional que Gavin a colocou.

A história aborda o abuso em todos os seus aspectos, desde o emocional até o físico, passando por pensamentos e ameaças suicidas como forma de manipulação, o que torna a trama bastante pesada. Ela mostra como a maioria desses relacionamentos começa, de um jeito fofo, lindo, adorável, e mesmo que haja alguns pequenos alertas acerca de atitudes e do comportamento, eles são ignorados por serem "pequenos defeitos", que podem ser facilmente justificados e contornados com o tempo, mas não. E é inquestionável que esses elementos, embora terríveis, são essenciais para mostrar com fidelidade como funciona um relacionamento abusivo e destrutivo. O mais triste é que se pararmos pra pensar, se trocarmos os nomes dos personagens, é possível encontrar pessoas que conhecemos, como se fosse um retrato de suas próprias vidas tristes e complicadas. Sendo assim, é possível que alguém, estando num relacionamento do tipo, conscientemente ou não, se enxergue em Grace e compreenda que a catarse é tão possível quando necessária.

Como em todos os outros livros que abordam temas tão delicados como depressão, suicídio e abusos, a Editora Seguinte ainda disponibilizou nas últimas páginas, sites e telefones importantes para denúncias e pedidos de ajuda para esses casos. Então, se alguém precisar de ajuda, não hesite. As pessoas merecem ser felizes com pessoas que as completam, e não que as destroem.

Romance Tóxico não é uma leitura fácil e agradável, mas traz uma história tão brilhante quanto brutal. A trama real, arrebatadora e emocionante sobre como encontrar forças e coragem necessária para se libertar de um relacionamento abusivo é leitura mais do que indicada, é obrigatória.

Wishlist #61 - Funko Pop - Romeo & Juliet

18 de dezembro de 2018

Na onda dos lançamentos de Funko Pops de alguns dos filmes do Leonardo DiCaprio, nem preciso falar que quando os fofildos de Romeu e Julieta foram anunciados já entraram pra lista na mesma hora. O filme foi um dos que marcaram minha adolescência e até bateu aquela vontade de rever pra matar a saudade.



Vox - Christina Dalcher

17 de dezembro de 2018

Título: Vox
Autora: Christina Dalcher
Editora: Arqueiro
Gênero: Distopia
Ano: 2018
Páginas: 320
Nota:★★★★☆
Sinopse: O governo decreta que as mulheres só podem falar 100 palavras por dia. A Dra. Jean McClellan está em negação. Ela não acredita que isso esteja acontecendo de verdade.
Esse é só o começo...
Em pouco tempo, as mulheres também são impedidas de trabalhar e os professores não ensinam mais as meninas a ler e escrever. Antes, cada pessoa falava em média 16 mil palavras por dia, mas agora as mulheres só têm 100 palavras para se fazer ouvir.
...mas não é o fim.
Lutando por si mesma, sua filha e todas as mulheres silenciadas, Jean vai reivindicar sua voz.

Resenha: Quando um candidato da extrema direita conservadora é eleito nos EUA, o seu governo dita novas leis e todos aqueles que não seguem nenhuma religião ou fogem do padrão ideal de "puros", segundo a bíblia, perdem seus direitos e são punidos severamente. Homens começaram a substituir as mulheres em todos os tipos de cargos gradualmente, "para o bem do país".
Casamentos entre pessoas do mesmo sexo são anulados, os "rebeldes" são enviadas a campos de concentração para aprenderem a vontade de Deus, e as mulheres, além de serem obrigadas a desempenhar papeis domésticos e obedecerem aos homens, ainda foram limitadas a poder falar somente cem palavras por dia. Todas elas foram obrigadas a usar um dispositivo que conta as palavras ditas, e se o limite diário for ultrapassado, o preço a ser pago é doloroso... E ai de quem tentar se comunicar de outra forma. No começo algumas pessoas conseguiram fugir do país, mas agora é impossível. Os passaportes das mulheres foram cancelados, e a emissão de novos é proibida. Todos vivem como prisioneiros.

Nesse cenário distópico, Jean McClellan, que antes de tudo isso era uma renomada cientista da área de neurolinguística, é reduzida ao cargo de "esposa", cuja única tarefa na sociedade é ficar calada, cuidar da casa, dos quatro filhos, e servir ao marido, Patrick, que mesmo achando a situação absurda, nem se quisesse poderia se opor, principalmente por trabalhar no governo.
A vida é extremamente regrada, Jean vive em negação e começa a criar resistência contra seu marido e filhos devido a situação e, mesmo com todas as dificuldades, ela tenta proteger e ensinar a filha de apenas seis anos, Sonia, como viver nessa sociedade onde as mulheres não tem vez e nem voz, enquanto os homens, incluindo Patrick e seus outros três filhos homens, são superiores e livres para mandar e desmandar, apoiados pelas palavras da bíblia e do novo governo republicano e ultra conservador que chegou ao poder.

Até que um dia, o irmão do presidente sofre um acidente grave e Jean é convocada pelos federais. Por ser a única profissional da área capacitada, ela deveria retomar sua pesquisa pois a área do cérebro afetada no acidente foi justamente o objeto de estudo da doutora no passado. A ideia de trabalhar junto com aqueles que instauraram e apoiaram esse governo odioso é revoltante, mas ela certamente seria punida caso recusasse a "oferta". A partir daí, Jean, bastante desconfiada, consegue ter acesso às suas pesquisas outra vez, e encontra ali uma oportunidade para lutar por todos aqueles que foram silenciados, tendo a chance de mudar o destino dela e de toda a nação.

Com capítulos curtos e narrado em primeira pessoa, a leitura é bastante fluída e vamos nos envolvendo e conhecendo aos poucos o que o país se tornou, e como as mulheres passaram a ser oprimidas a partir da perspectiva de Jean. Acompanhamos seus pensamentos e reflexões sobre como o país era antes, assim como suas lembranças de sua amiga Jack, que ia a manifestações, concedia entrevistas, lutava como ninguém pelos direitos das mulheres e sempre fazia alertas sobre tudo que aconteceria caso o tal candidato fosse eleito presidente dos EUA. E quando Jean abriu os olhos para o enorme problema que recaiu sobre todos, o que antes para ela era exagero, sensacionalismo e até loucura por parte da amiga, se tornou real. Jean percebeu que Jack sempre teve razão, mas já era tarde demais. Ela inclusive se culpa por não ter feito sua voz valer, seja na rua ou na urna.

É impossível não se colocar no lugar de Jean, mesmo que alguns de seus pensamentos, a princípio, pareçam contraditórios. Temos acesso aos seus sentimentos e conflitos em relação ao seu marido e filhos, sentimentos estes que foram desencadeados a partir da nova condição social que ela odeia e foi obrigada a engolir, sem ter como ir contra o sistema. Aos poucos seus sentimentos por eles vão se tornando negativos, e a amargura e o desgosto por ver eles se tornando homens cada vez mais machistas só cresce. Assim, as atitudes e pensamentos de Jean são compreensíveis quando ela não tem voz dentro da própria casa e só lhe resta alimentar sua raiva e se remoer por dentro, principalmente quando vê seus filhos sendo doutrinados para se tornarem completos imbecis, sem poder fazer nada. Seu filho fez questão de cursar religião apenas pela chance de ganhar pontos extras, sem se dar conta da manipulação bem sutil que estava sofrendo. Num determinado momento ele pega o livro e lê para a mãe um trecho do qual ele concorda plenamente, com intenção de colocar ela em seu devido lugar:
"'A mulher não deve ir às urnas, mas tem uma esfera própria, de incrível responsabilidade e importância. Ela é a guardiã do lar, nomeada por Deus... Ela deve ter total consciência de que sua posição de esposa e mãe, e de anjo do lar, é a tarefa mais santa, mais responsável e régia designada para os mortais; é descartar qualquer ambição de algo mais elevado, já que não existe nada tão elevado para os mortais.' Esse texto é do reverendo John Milton Williams. Está vendo? Você é uma rainha."
- Página 56
Um ponto que achei bastante reflexivo é acerca da luta pelas minorias. Antes Jean tinha uma posição importante e fazia pouco caso de quem lutava pelos direitos dos menos favorecidos, como Jack fazia. Agora ela se encontra na posição de minoria e não tem outra escolha a não ser se conformar e ficar calada. Dessa forma, ela não só serve de exemplo, mas também tem a chance de mostrar a realidade para as pessoas que estavam na mesma situação e que foram diminuídas como ela foi. É uma forma de mostrar que ela, como humana, tem suas falhas, mas que diante de uma situação dessas não é errado se arrepender para entender que é preciso mudar. E às vezes as pessoas só se dão conta disso quando a situação foge do controle e a bomba já explodiu.

Aproveitando o assunto, posso acrescentar que é inegável que essa eleição de 2018 no Brasil despertou um interesse maior nas pessoas sobre política, assim como também revelou o bom e o mau caráter de muitos, independente do candidato. Muitos utilizaram de discursos baseados em valores voltados ao conservadorismo e preceitos religiosos, como se qualquer movimento que fugisse dessa ideologia fosse errado, e, no livro, a autora mostra que o extremismo, principalmente o religioso, consegue deturpar ideias, usar minorias como massa da manobra, manipular as pessoas de que um lado é certo e o outro errado, e como essa questão dentro da política é perigosa. Uma coisa é política, outra coisa é religião, e elas jamais deveriam se misturar. Confesso que não penso que em nenhum momento o Brasil chegue uma situação tão crítica quanto a exposta no livro, mas a forma como a história foi desenvolvida acaba fazendo com que as pessoas reflitam sobre o momento atual, sobre suas escolhas, sobre seus valores, sobre as conquistas e os direitos que os movimentos atuais atingem, e sobre a liberdade de cada um.

A única ressalva que deixo é sobre o final. Tudo acaba sendo muito rápido e fácil de ser resolvido, o que além de gerar um pouco de descrença, ainda quebra o ritmo de tudo que aconteceu, e o impacto que deveria ser o grande clímax da trama acaba não acontecendo. Fechei o livro e pensei "ué?!".

No final das contas, Vox é uma leitura que não traz apenas reflexões sobre temas importantes da atualidade, mas mexe com nosso emocional a ponto de nos fazer reavaliar e questionar alguns conceitos e situações que fazem parte da sociedade atual.