Título: O Ceifador - Scythe #1
Autor: Neal Shusterman
Editora: Seguinte
Gênero: Distopia/Sci-fi/YA
Ano: 2017
Páginas: 448
Nota:
★★★★★♥
Sinopse: Primeiro mandamento: matarás.
A humanidade venceu todas as barreiras: fome, doenças, guerras, miséria... Até mesmo a morte. Agora os ceifadores são os únicos que podem pôr fim a uma vida, impedindo que o crescimento populacional vá além do limite e a Terra deixe de comportar a população por toda a eternidade. Citra e Rowan são adolescentes escolhidos como aprendizes de ceifador - papel que nenhum dos dois quer desempenhar. Para receberem o anel e o manto da Ceifa, os adolescentes precisam dominar a arte da coleta, ou seja, precisam aprender a matar. Porém, se falharem em sua missão ou se a cumplicidade no treinamento se tornar algo mais, podem colocar a própria vida em risco.
Resenha: 2042 foi um marco na história e desde então as pessoas pararam de contar os anos por não haver mais necessidade... Os continentes foram renomeados, a capacidade computacional se tornou infinita e humanidade descobriu tudo o que havia para ser descoberto. Fome, miséria, desigualdade social, criminalidade, guerras, doenças e até mesmo a morte foram superadas. As pessoas não aparentam mais a idade que têm já que podem rejuvenescer, há nanitos no sangue de todos para que feridas possam ser curadas quase que instantanamente, e aquelas que morrem acidentalmente passam por um processo para reviverem, logo as taxas de suicídios e assassinatos foram reduzidas a zero. Não existe mais um governo que dita regras ou que possa ser ineficiente ou corruptível, e todo o controle é feito pela Nimbo-Cúmulo, a antiga rede digital de inteligência artificial chamada "nuvem", um sistema que ganhou consciência e além de ter uma memória com todas as informações que existem com acesso livre para quem quiser pesquisar, igualou a sociedade no que diz respeito as classes, soluciona qualquer problema independente do que seja para melhorar a vida das pessoas e preservar o planeta, e transformou em realidade a tão sonhada utopia. A única interferência que a Nimbo-Cúmulo não faz é na morte das pessoas por envolver questões morais, coisas que um computador, por mais evoluído que seja, não poderia ter. Por esse motivo existe a Ceifa, onde os ceifadores seguem dez mandamentos e são os únicos responsáveis por "coletar" a vida das pessoas que se encaixam em determinados perfis de acordo com alguma estatística de morte que existia na Era da Mortalidade como forma de limitar a população para que não haja um crescimento descontrolado e desproporcional ao que a Terra comporta. A sociedade vive na Era da Imortalidade pois se não fosse o trabalho dos ceifadores, todos seriam imortais.
As pessoas entendem que as coletas são uma necessidade e aprenderam a aceitá-las, respeitando - e também temendo - os ceifadores, já que a aparição de algum deles indicava que alguém alí do local iria morrer, sem chance de escapatória. Algumas pessoas ainda não aceitam e lutam contra o ceifador quando precisa ser coletadas (e sofrem as consequências disso), outras os ignoram acreditando que seriam igualmente ignoradas, e outras pessoas lhes dão benefícios ou fazem várias doações acreditando que assim conseguirão alguma imunidade, mas os únicos que realmente estão livres de serem coletados são os próprios ceifadores.
Neste cenário conhecemos Citra e Rowan. Citra é uma garota de dezesseis anos que vive na cidade e leva uma vida confortável com sua família sempre unida. Rowan tem a mesma idade, mora no subúrbio e é bastante solitário ao conviver com a família grande mas sempre indiferente aos que ele faz ou sente.
Nenhum dos dois nunca tiveram interesse em serem ceifadores, essa é a única coisa que eles tinham em comum, mas esse é o primeiro requisito para serem escolhidos como aprendizes de um... E é isso o que acontece quando o honorável Ceifador Faraday aparece em suas vidas de forma inusitada. A família de cada um recebeu imunidade por um ano e eles foram levados de suas casas para começarem a aprender a arte da coleta, mesmo que, inicialmente, fosse contra as suas vontades. Eles seriam adversários e ao final do treinamento, somente um deles seria escolhido para receber o título de Ceifador.
Tudo parecia funcionar bem, até que um grupo de ceifadores extravagantes começa a fazer coletas em massa, de forma autoritária, sádica e sem piedade alguma, deixando claro que eles estão manipulando os dez mandamentos...
Narrado em terceira pessoa, a história instiga a curiosidade do leitor sendo impossível pausar a leitura. O enredo é bastante original, com detalhes e explicações que tornam o cenário de forma geral bastante plausível e a escrita do autor é ótima e muito empolgante, com detalhes e acontecimentos na medida certa para tornar tudo muito fluído e dinâmico.
A construção dos personagens é incrível e o contraste entre eles, os tornando tão diferentes entre si, é o que os faz combinar tão bem como um time. Citra é uma jovem bastante competitiva, de humor ácido e acaba querendo ser escolhida por acredtar que deve vencer, e Rowan já não se importa muito com o que os outros pensam e tanto faz pra ele se for ou não escolhido. Ele é altruísta e muitas vezes fala o que os outros querem ouvir para evitar problemas. A experiência com Faraday muda suas formas de pensar, fazem com que eles amadureçam e vejam as coisas através de um novo olhar. Há um romance beeem sutil acontecendo mas, apesar de fofo, não é o elemento principal.
O ponto alto com relação aos dois é que o treinamento evidencia o caráter deles, colocando suas dignidades à prova, mostrando quem eles são na realidade quando eles precisam encarar a morte de forma tão íntima e pessoal. E isso não se aplica somente aos protagonistas, mas aos demais ceifadores, muitos deles assustadores, que estão "acima da lei". Aquele ditado que diz mais ou menos assim
"Se quer conhecer bem uma pessoa, dê poder a ela" faz todo o sentido do mundo aqui...
Outro ponto muito interessante que pude perceber foi a forma que o autor usa pra abordar o ofício de ceifador, como eles reconhecem a importância do que fazem e como lidam com o fato de serem os responsáveis pela morte alheia, e não apenas isso, mas também sobre como o comportamento das pessoas muda evidenciando o interesse e até o oportunismo quando elas querem ter vantagens e ganharem algo só por estarem próximas de alguém com alguma influência e poder.
Os mandamentos do ceifador
1. Matarás
2. Matarás sem discriminação, fanatismo ou pensamento premeditado.
3. Concederás um ano de imunidade aos entes queridos daqueles que o receberem e a todos que considerar dignos.
4. Matará os entes queridos daqueles que resistirem.
5. Servirás a humanidade durante todos os dias de tua vida, e tua família receberá imunidade como recompensa enquanto viveres.
6. Levarás uma vida exemplar em palavras e atoa, e registrarás todos os teus dias em um diário.
7. Não matarás nenhum ceifador além de ti.
8. Não reclamarás nenhuma posse material além de teus mantos, teu anel e teu diário.
9. Não terás cônjuge nem filhos.
10. Não seguirás nenhuma lei além destas.
Ao final de cada capítulo podemos ler os relatórios feitos por alguns ceifadores, e através deles é que encontramos explicações - e até questionamentos - para entendermos como e porquê o mundo chegou no estado em que está. Eu gostei bastante desse artifício usado para situar o leitor ao cenário pois dessa forma os personagens ficam isentos de "perderem tempo" explicando detalhes e o foco recái sobre suas personalidades e suas atitudes frente a nova jornada de aprendiz em que estão.
O Ceifador foi um livro que entrou pra lista de melhores leituras que já tive até então. Ele é capaz de fazer com que as pessoas possam refletir sobre a morte de forma única e sem nenhuma complexidade, pois consegue mostrar um outro lado que muitos jamais poderiam imaginar, mas também levantando perguntas sobre as motivações da humanidade, agora estagnada, para se levar uma vida longa quando não há mais nada pra se ver, aprender ou pra onde evoluir. Há uma grande diferença entre viver e somente existir...
A morte foi vencida e se tornou uma opção, mas ainda é necessária em nome da sobrevivência da humanidade. Logo, ter a vida de alguém nas mãos é uma questão de poder ou de moralidade?