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As Foices - Neal Shusterman

4 de dezembro de 2023

Título:
 As Foices: Contos do Universo de Scythe
Autor: Neal Shusterman
Editora: Seguinte
Gênero: Distopia/Jovem Adulto
Ano: 2023
Páginas: 416
Nota★★★★☆
Sinopse: Em treze contos inéditos, Neal Shusterman e mais seis grandes autores da literatura jovem nos fazem viajar pela linha do tempo da trilogia Scythe e revisitar os conflitos dos ceifadores.
Depois do último volume da trilogia Scythe, ainda existem inúmeras histórias da era pós-mortal para serem contadas. Afinal, a humanidade pode até ter vencido a miséria, as doenças e a própria morte, mas nem mesmo a inteligência artificial da Nimbo-Cúmulo foi capaz de resolver todas as angústias e os conflitos éticos dos seres humanos ― especialmente dos ceifadores.
Com a colaboração dos autores David Yoon, Jarrod Shusterman e Sofia Lapuente, Joelle Shusterman, Michael H. Payne e Michelle Knowlden, Neal Shusterman nos mostra quão extenso, intrigante e arrebatador é o mundo distópico de Scythe. Em treze histórias que se passam antes, durante e depois dos eventos retratados na série, essa coletânea segue investigando as aflições e os questionamentos de todos os indivíduos diante dessa sociedade distópica.

Resenha: Fazendo um apanhado geral, a trilogia Scythe, escrita pelo autor Neal Shusterman, é uma distopia futurística que aborda a superação humana sobre todos os malefícios da vida a ponto de a morte ser algo completamente contornável, mas ainda assim necessária. Nesse cenário, onde ciência e tecnologia venceram, Citra e Rowan são dois adolescentes que entram para a Ceifa e se tornam aprendizes de ceifadores, que são aqueles responsáveis por "coletar" vidas a fim de manter o equilíbrio populacional. É um trabalho difícil, mas bastante nobre e respeitado por todos devido à sua importância. Porém, no desenrolar da trama, eles acabam descobrindo que a Ceifa foi corrompida e alguns ceifadores imorais, deslumbrados com esse poder, estavam indo contra as leis absolutas criadas pela inteligência artificial que governa o mundo visando o melhor para a humanidade, a Nimbo Cúmulo. Logo, o casal de protagonistas se infliltra nesse meio pra tentarem dar jeito nesse problema.

Com a trilogia concluída, o autor, em cooautoria com outros seis escritores de literatura juvenil, apresentou treze contos que se desenrolam antes, durante e após os eventos da série, formando histórias individuais e bastante convincentes. Esses contos buscam explicar e aprofundar-se em algumas situações, investigar questionamentos e aflições individuais, destacando que, apesar da humanidade estar na era pós-mortal e ter superado adversidades e a própria morte, nem mesmo a Nimbo-Cúmulo conseguiu resolver as questões mais íntimas dos seres humanos, incluindo a moralidade dos ceifadores, que é um dos pontos mais interessantes da série.

Scythe é uma das distopias mais incríveis que já li e, quando vi que um livro de contos desse universo seria lançado, fiquei bastante empolgada pra matar a saudade. O problema é que a experiência não foi como eu imaginei. Acho que livros de uma série que tem um intervalo grande de lançamento entre eles acabam quebrando o clima de leitura, às vezes sendo preciso até a necessidade de reler os livros anteriores para que os detalhes sejam relembrados e os personagens reconhecidos. O primeiro livro foi lançado em 2017 e a sequência saiu em 2018. O desfecho foi sair em 2020 e agora, três anos depois, sai o livro de contos. Acho que eu teria gostado e me envolvido muito mais se esse intervalo fosse menor, justamente pra não dar tempo de "esfriar" o interesse.

Não vou me aprofundar muito em cada conto, mas já adianto que dos 13, achei que só a metade foi relevante e realmente acrescentaram algo ao que já foi estabelecido. O 6º conto, entitulado "Um Minuto Marciano", talvez tenha sido o mais interessante da coletânea pois vai abordar a origem de Goddard em meio a um cenário de colonização em Marte. O conceito de colonos interplanetários foi incrível mostrando Marte sendo preparada para futuros moradores. Goddard foi um vilão ardiloso por toda a trilogia, então achei super interessante voltar ao passado dele e ter esse vislumbre de sua juventude no espaço.

Os melhores contos foram aqueles que falaram sobre personagens já conhecidos. Senti falta da presença de Citra e Rowan nesses contos pois, afinal, eles eram os protagonistas. Aparecer somente em menções feitas pelos outros foi um pouco frustrante. Os contos são narrados em terceira pessoa e às vezes há uma leve mudança de tom devido ao fato de alguns deles terem sido escritos em conjunto com outros autores, mas num geral, os contos foram divertidos e conseguiram trazer várias mensagens que causam impacto e enriquecem a história como um todo.

No mais, se você gostou da trilogia, com certeza vai se surpreender e aproveitar muito. Embora alguns contos pareçam não acrescentar muita coisa, não deixa de ser uma forma do autor ampliar a dinâmica e a visão de determinadas situações, responder perguntas que ficaram sem respostas e enriquecer ainda mais o universo que ele criou. Se você nunca leu os livros anteriores, este não fará sentido nenhum, então corre pra ler primeiro que vale a pena demais.

O Timbre - Neal Shusterman

7 de dezembro de 2020

Título: O Timbre - Scythe #3
Autor: Neal Shusterman
Editora: Seguinte
Gênero: Distopia/Jovem Adulto
Ano: 2020
Páginas: 560
Nota:★★★★★
Sinopse: A humanidade alcançou um mundo ideal em que não há fome, doenças, guerras, miséria... nem morte. Mas, mesmo com todo o esforço da inteligência artificial da Nimbo-Cúmulo, parece que alguns problemas humanos, como a corrupção e a sede de poder, também são imortais. Desde que o ceifador Goddard começou a ganhar seguidores da nova ordem, entusiastas do prazer de matar, a Nimbo-Cúmulo decidiu se silenciar, deixando o mundo cada vez mais de volta às mãos dos humanos.
Depois de três anos que Citra e Rowan desapareceram e Perdura afundou, parece que não existe mais nada no caminho de Goddard rumo à dominação absoluta da Ceifa - e do mundo. Mas reverberações das mudanças na Ceifa e da Grande Ressonância ainda estremecem o planeta, e uma pergunta permanece: será que sobrou alguém capaz de detê-lo?
A resposta talvez esteja na nova e misteriosa tríade de tonistas: o Tom, o Timbre e a Trovoada.

Resenha: O Timbre é o desfecho da trilogia Scythe, escrita pelo autor Neal Shusterman e publicada pela Seguinte aqui no Brasil.

Depois de mais de 2 anos da publicação do segundo volume, é possível que alguns detalhes sejam esquecidos, logo tive que dar uma folheada e uma relida por alto nos livros anteriores para me situar nos acontecimentos passados. Então, relembrando, após o ano de 2042, a humanidade "venceu". Não existe mais nada que não possa ser feito ou descoberto, e a sociedade é governada pela Nimbo-cúmulo, a inteligência artificial com capacidade infinita que, através de cálculos e estatísticas, resolve todos os problemas que existem. Não existe mais desigualdade social, doenças, violência, e até a imortalidade foi descoberta, mas, afim de ter um controle populacional, os Ceifadores são os responsáveis por "coletar" algumas vidas. Porém, esse poder acabou corrompendo alguns desses Ceifadores, que passaram a ter prazer em matar sem a compaixão e a piedade que deveriam ter. Assim, Citra e Rowan, os protagonistas, ao fazerem o devido treinamento e se tornarem Ceifadores, se infiltram nesse meio a fim de dar um "jeitinho" nesse problema.

Dando continuidade aos acontecimentos do livro anterior, Goddard obteve êxito com seu plano de afundar Perdura junto com sua história no meio do oceano causando um enorme estrago e muitas tragédias, o que lhe rendeu o cargo de Alto Punhal da Midmérica. Sem os Alto Punhais para controlar a Ceifa e com a sociedade perdida e sem direção, ele passou a liderar como o grande tirano que sempre foi, mas isso pra ele ainda é pouco, e ele quer mais e mais poder, assim, ele vai atrás dos Tonistas, um grupo religioso, que, obviamente, revidam e o caos a guerra civil são instaurados.

Algumas pessoas não aceitavam essa corrupção, e não iam descansar enquanto não resolvessem esse problema, sendo assim, o Ceifador Faraday e Munira partem para a ilha perdida de Nod para procurar respostas e uma solução. Um período que deveria ser de paz se transformou numa guerra civil, e coisas que haviam sido extintas da sociedade, como a violência por exemplo, retornaram com muita força.

Porém, todas as pessoas que restaram foram marcadas como Infratoras pela Nimbo-cúmulo, e por isso ela não respondia mais e ninguém podia acessá-la pra nada, e isso deixou todos um tanto confusos, com exceção de Greyson Tolliver, que era o único que podia falar com ela e se tornou um símbolo dos Tonistas, e passou a ser denominado de "O Timbre" (daí o título do livro), com a missão de guiá-los para um propósito maior que a nuvem reservou e que iria definir de uma vez por todas o futuro da humanidade. Citra e Rowan, que haviam afundado na queda de Perdura, foram encontrados, e agora não viam a hora de voltarem para ver com os próprios olhos o que aconteceu com o mundo. 

Enfim, a narrativa em terceira pessoa continua fluída e super empolgante, apresentando os dilemas e as situações delicadas dos personagens de forma intercalada, mas confesso que algumas partes são um pouco arrastadas e dão uma canseira de leve, se destoando dos volumes anteriores, e nesse meio alguns personagens ainda morrem sem um motivo bom o bastante, dando a impressão de que só morreram pra não precisarem ter um final mais digno, mas ainda assim a trama, como um todo, é boa e inteligente demais a ponto de superar esses detalhes, só não posso simplesmente desconsiderá-los porque essa "queda de qualidade" é bem evidente se compararmos com os outros livros. 

Em meio a personagens que surgiram e outros que ficaram meio de lado ou foram mal aproveitados, e por mais que a Ceifa tenha ganhado mais profundidade com novas informações, quem ganha o maior destaque é a Nimbo-cúmulo, que além de ser uma inteligência virtual com consciência, passou a ter a capacidade da senciência, e por isso tomava decisões mais "humanas" e justas.

Talvez eu seja contra ao falar sobre isso, mas existe um personagem, Jerico, que trouxe representatividade por não ter gênero definido, mas a impressão que tive é que essa foi sua única e exclusiva função, já que não acrescentou em nada de relevante na história e se não fosse por essa característica teria passado batido no meio dos demais, logo fiquei triste por esse desperdício.

Não sei se foi impressão minha, se viajei na maionese, ou se o autor realmente quis incluir essa "mensagem" nas entrelinhas, mas não pude deixar de associar a tríade que se formou dos tonistas, o Timbre, Trovão e Tom como um tipo de "Santíssima Trindade, e a nuvem ao próprio Deus, que de acordo com a bíblia, cuidou e amou os humanos com todas as Suas forças, mas se distanciou, ainda que sempre vigiando, para que todos, através do livre arbítrio, pudessem aprender com seus próprios erros, e é bem isso que consegui enxergar aqui, e esse também foi um dos motivos pra eu ver a trama com outros olhos e achar que nada alí foi jogado ao acaso.

Enfim, não é qualquer livro de ficção que traz questões filosóficas sobre as possibilidades que a humanidade pode viver num futuro não tão distante, falando sobre a vida, a morte, o fanatismo religioso, a empatia e a moral de uma forma tão única e criativa, enquanto uma inteligência artificial incrível administra o planeta. Só posso terminar essa resenha dizendo que O Timbre encerrou uma trilogia que não só nos apresentou uma história plausível, empolgante e bem amarrada, como trouxe personagens ótimos e que fizeram toda a diferença cada um a sua maneira. Com certeza essa é uma das melhores trilogias distópicas que já li.

A Nuvem - Neal Shusterman

10 de setembro de 2018

Título: A Nuvem - Scythe #2
Autor: Neal Shusterman
Editora: Seguinte
Gênero: Distopia/Jovem Adulto
Ano: 2018
Páginas: 496
Nota:★★★★★
Sinopse: No segundo volume da série Scythe, a Ceifa está mais corrompida do que nunca, e cabe a Citra e Rowan descobrir como impedir que os ceifadores que não seguem os mandamentos da instituição acabem com o futuro da humanidade.
Em um mundo perfeito em que a humanidade venceu a morte, tudo é regulado pela incorruptível Nimbo Cúmulo, uma evolução da nuvem de dados. Mas a perfeição não se aplica aos ceifadores, os humanos responsáveis por controlar o crescimento populacional. Quem é morto por eles não pode ser revivido, e seus critérios para matar parecem cada vez mais imorais. Até a chegada do ceifador Lúcifer, que promete eliminar todos os que não seguem os mandamentos da Ceifa. E como a Nimbo Cúmulo não pode interferir nas questões dos ceifadores, resta a ela observar.
Enquanto isso, Citra e Rowan também estão preocupados com o destino da Ceifa. Um ano depois de terem sido escolhidos como aprendizes, os dois acreditam que podem melhorar a instituição de maneiras diferentes. Citra pretende inspirar jovens ceifadores ao matar com compaixão e piedade, enquanto Rowan assume uma nova identidade e passa a investigar ceifadores corruptos. Mas talvez as mudanças da Ceifa dependam mais da Nimbo Cúmulo do que deles. Será que a nuvem irá quebrar suas regras e intervir, ou apenas verá seu mundo perfeito desmoronar?

Resenha: No universo criado por Neal Shusterman, vemos a ciência e a tecnologia vencerem. O mundo se tornou um lugar justo e ideal onde não existe mais fome, dor, miséria, violência, doenças e nem a morte. Tudo é baseado em estatísticas, todas as perguntas possuem respostas, e a solução pra qualquer problema pode ser encontrado na maior nuvem de dados existente que criou regras funcionais e passou a governar o mundo: a Nimbo Cúmulo. Ela controla tudo, com exceção da morte. Assim, foi criada a Ceifa, onde os ceifadores são os responsáveis por tirar as vidas daqueles que devem morrer e o equilíbrio possa ser mantido. Quem ceifa as vidas devem trabalhar com compaixão e respeito, e jamais sentirem prazer em matar, mas com o tempo esse sistema perfeito começa a ser corrompido por alguns ceifadores a ponto da humanidade ser ameaçada.

Depois de descobrirem que a Ceifa está corrompida e tomada por ceifadores imorais que não seguem os mandamentos da instituição que controla o crescimento populacional, o futuro da humanidade começa a entrar em risco. Um ano depois de terem se tornado aprendizes na Ceifa, Citra e Rowan decidem que vão fazer de tudo para acabar com isso. Eles tem ideias diferentes do que pode ser feito para combaterem a corrupção e acreditam que podem melhorar a instituição se tudo for seguido a risca.
Enquanto Citra pretende usar seus conhecimentos e influência para inspirar jovens ceifadores e serem misericordiosos com quem deve morrer por suas mãos, Rowan se disfarça e assume uma nova identidade para investigar ceifadores corruptos e tirá-los de circulação de forma definitiva. Porém, talvez essas mudanças não dependam exclusivamente desses dois, principalmente com Rowan agindo conforme suas próprias crenças. A Nimbo Cúmulo começa a perceber que o mundo perfeito que construiu está prestes a desmoronar, e mesmo sendo uma inteligência artificial, ela demonstra estar profundamente magoada com o rumo que os ceifadores corruptos estão dando para o mundo. Será que ela quebrará as próprias regras para poder intervir no que se tornou uma ameaça para a humanidade?

A Nuvem deu uma sequência perfeita para o primeiro livro. A narrativa é ainda mais envolvente, fluída, com detalhes maravilhosos e personagens incríveis.
Enquanto no primeiro livro o autor fornece informações contidas nos diários dos ceifadores para que o leitor entendesse como a Ceifa funciona e como eles conduziam o trabalho de coletar vidas, neste volume vamos ter acesso aos pensamentos da Nimbo Cúmulo, sua visão da humanidade e como ela passa a lidar com as próprias regras numa tentativa de impedir uma catástrofe. Esses fatores a tornam a verdadeira protagonista na trama, principalmente quando seus "sentimentos" ficam evidentes.
Citra e Rowan amadureceram muito desde que ingressaram na Ceifa. Ambos estão decididos e cheios de convicção naquilo que acreditam, assim como passaram a ser donos de enormes responsabilidades, mesmo que de formas distintas.

Citra agora é conhecida como Ceifadora Anastássia. Por ter sido treinada por Faraday e Curie, ela se tornou uma ceifadora bastante humana e dotada de extrema compaixão e respeito para com todos que terão suas vidas coletadas. Ela não demora a ser notada pela forma digna como conduz seu trabalho, o que faz com que ela seja admirada por uns, mas odiada por outros a ponto de correr perigo. Vários momentos de tensão e reviravolta na história são causados ou protagonizados por ela, mas o mais interessante é acompanhar a forma como ela lida com ela mesma, seja como Citra ou como Anastássia em busca de equilíbrio.
Rowan tem grande importância no desenrolar da história quando suas escolhas geram conflitos relacionados à Ceifa. Ele teve pouco destaque se comparado a Citra ou a própria Nimbo Cúmulo, mas os questionamentos que começam a surgir a partir do que ele toma como tarefa para si mesmo são bastante relevantes para o desenvolvimento geral da trama. No papel de "vilão" ele teve alguns momentos clichês e meio forçados, mas nada que comprometesse a qualidade da história.

Eu queria muito soltar um palavrão para exaltar minha empolgação e minha admiração por esse autor. Esse cara é O cara. Chega a ser difícil escrever uma resenha à altura pra esse livro quando nada parece ser suficiente para exprimir minhas reações frente a tanta genialidade. É o tipo de história que além de inteligente e muito criativa, deixa a gente de ressaca, passando dias e mais dias processando tudo o que foi lido, bolando teorias para os próximos acontecimentos, e agora, aguardando desesperada pelo próximo volume.

O Ceifador - Neal Shusterman

13 de junho de 2017

Título: O Ceifador - Scythe #1
Autor: Neal Shusterman
Editora: Seguinte
Gênero: Distopia/Sci-fi/YA
Ano: 2017
Páginas: 448
Nota:★★★★★
Sinopse: Primeiro mandamento: matarás.
A humanidade venceu todas as barreiras: fome, doenças, guerras, miséria... Até mesmo a morte. Agora os ceifadores são os únicos que podem pôr fim a uma vida, impedindo que o crescimento populacional vá além do limite e a Terra deixe de comportar a população por toda a eternidade. Citra e Rowan são adolescentes escolhidos como aprendizes de ceifador - papel que nenhum dos dois quer desempenhar. Para receberem o anel e o manto da Ceifa, os adolescentes precisam dominar a arte da coleta, ou seja, precisam aprender a matar. Porém, se falharem em sua missão ou se a cumplicidade no treinamento se tornar algo mais, podem colocar a própria vida em risco.

Resenha: 2042 foi um marco na história e desde então as pessoas pararam de contar os anos por não haver mais necessidade... Os continentes foram renomeados, a capacidade computacional se tornou infinita e humanidade descobriu tudo o que havia para ser descoberto. Fome, miséria, desigualdade social, criminalidade, guerras, doenças e até mesmo a morte foram superadas. As pessoas não aparentam mais a idade que têm já que podem rejuvenescer, há nanitos no sangue de todos para que feridas possam ser curadas quase que instantanamente, e aquelas que morrem acidentalmente passam por um processo para reviverem, logo as taxas de suicídios e assassinatos foram reduzidas a zero. Não existe mais um governo que dita regras ou que possa ser ineficiente ou corruptível, e todo o controle é feito pela Nimbo-Cúmulo, a antiga rede digital de inteligência artificial chamada "nuvem", um sistema que ganhou consciência e além de ter uma memória com todas as informações que existem com acesso livre para quem quiser pesquisar, igualou a sociedade no que diz respeito as classes, soluciona qualquer problema independente do que seja para melhorar a vida das pessoas e preservar o planeta, e transformou em realidade a tão sonhada utopia. A única interferência que a Nimbo-Cúmulo não faz é na morte das pessoas por envolver questões morais, coisas que um computador, por mais evoluído que seja, não poderia ter. Por esse motivo existe a Ceifa, onde os ceifadores seguem dez mandamentos e são os únicos responsáveis por "coletar" a vida das pessoas que se encaixam em determinados perfis de acordo com alguma estatística de morte que existia na Era da Mortalidade como forma de limitar a população para que não haja um crescimento descontrolado e desproporcional ao que a Terra comporta. A sociedade vive na Era da Imortalidade pois se não fosse o trabalho dos ceifadores, todos seriam imortais.
As pessoas entendem que as coletas são uma necessidade e aprenderam a aceitá-las, respeitando - e também temendo - os ceifadores, já que a aparição de algum deles indicava que alguém alí do local iria morrer, sem chance de escapatória. Algumas pessoas ainda não aceitam e lutam contra o ceifador quando precisa ser coletadas (e sofrem as consequências disso), outras os ignoram acreditando que seriam igualmente ignoradas, e outras pessoas lhes dão benefícios ou fazem várias doações acreditando que assim conseguirão alguma imunidade, mas os únicos que realmente estão livres de serem coletados são os próprios ceifadores.
Neste cenário conhecemos Citra e Rowan. Citra é uma garota de dezesseis anos que vive na cidade e leva uma vida confortável com sua família sempre unida. Rowan tem a mesma idade, mora no subúrbio e é bastante solitário ao conviver com a família grande mas sempre indiferente aos que ele faz ou sente.
Nenhum dos dois nunca tiveram interesse em serem ceifadores, essa é a única coisa que eles tinham em comum, mas esse é o primeiro requisito para serem escolhidos como aprendizes de um... E é isso o que acontece quando o honorável Ceifador Faraday aparece em suas vidas de forma inusitada. A família de cada um recebeu imunidade por um ano e eles foram levados de suas casas para começarem a aprender a arte da coleta, mesmo que, inicialmente, fosse contra as suas vontades. Eles seriam adversários e ao final do treinamento, somente um deles seria escolhido para receber o título de Ceifador.
Tudo parecia funcionar bem, até que um grupo de ceifadores extravagantes começa a fazer coletas em massa, de forma autoritária, sádica e sem piedade alguma, deixando claro que eles estão manipulando os dez mandamentos...

Narrado em terceira pessoa, a história instiga a curiosidade do leitor sendo impossível pausar a leitura. O enredo é bastante original, com detalhes e explicações que tornam o cenário de forma geral bastante plausível e a escrita do autor é ótima e muito empolgante, com detalhes e acontecimentos na medida certa para tornar tudo muito fluído e dinâmico.

A construção dos personagens é incrível e o contraste entre eles, os tornando tão diferentes entre si, é o que os faz combinar tão bem como um time. Citra é uma jovem bastante competitiva, de humor ácido e acaba querendo ser escolhida por acredtar que deve vencer, e Rowan já não se importa muito com o que os outros pensam e tanto faz pra ele se for ou não escolhido. Ele é altruísta e muitas vezes fala o que os outros querem ouvir para evitar problemas. A experiência com Faraday muda suas formas de pensar, fazem com que eles amadureçam e vejam as coisas através de um novo olhar. Há um romance beeem sutil acontecendo mas, apesar de fofo, não é o elemento principal.
O ponto alto com relação aos dois é que o treinamento evidencia o caráter deles, colocando suas dignidades à prova, mostrando quem eles são na realidade quando eles precisam encarar a morte de forma tão íntima e pessoal. E isso não se aplica somente aos protagonistas, mas aos demais ceifadores, muitos deles assustadores, que estão "acima da lei". Aquele ditado que diz mais ou menos assim "Se quer conhecer bem uma pessoa, dê poder a ela" faz todo o sentido do mundo aqui...

Outro ponto muito interessante que pude perceber foi a forma que o autor usa pra abordar o ofício de ceifador, como eles reconhecem a importância do que fazem e como lidam com o fato de serem os responsáveis pela morte alheia, e não apenas isso, mas também sobre como o comportamento das pessoas muda evidenciando o interesse e até o oportunismo quando elas querem ter vantagens e ganharem algo só por estarem próximas de alguém com alguma influência e poder.

Os mandamentos do ceifador
1. Matarás
2. Matarás sem discriminação, fanatismo ou pensamento premeditado.
3. Concederás um ano de imunidade aos entes queridos daqueles que o receberem e a todos que considerar dignos.
4. Matará os entes queridos daqueles que resistirem.
5. Servirás a humanidade durante todos os dias de tua vida, e tua família receberá imunidade como recompensa enquanto viveres.
6. Levarás uma vida exemplar em palavras e atoa, e registrarás todos os teus dias em um diário.
7. Não matarás nenhum ceifador além de ti.
8. Não reclamarás nenhuma posse material além de teus mantos, teu anel e teu diário.
9. Não terás cônjuge nem filhos.
10. Não seguirás nenhuma lei além destas.

Ao final de cada capítulo podemos ler os relatórios feitos por alguns ceifadores, e através deles é que encontramos explicações - e até questionamentos - para entendermos como e porquê o mundo chegou no estado em que está. Eu gostei bastante desse artifício usado para situar o leitor ao cenário pois dessa forma os personagens ficam isentos de "perderem tempo" explicando detalhes e o foco recái sobre suas personalidades e suas atitudes frente a nova jornada de aprendiz em que estão.

O Ceifador foi um livro que entrou pra lista de melhores leituras que já tive até então. Ele é capaz de fazer com que as pessoas possam refletir sobre a morte de forma única e sem nenhuma complexidade, pois consegue mostrar um outro lado que muitos jamais poderiam imaginar, mas também levantando perguntas sobre as motivações da humanidade, agora estagnada, para se levar uma vida longa quando não há mais nada pra se ver, aprender ou pra onde evoluir. Há uma grande diferença entre viver e somente existir...
A morte foi vencida e se tornou uma opção, mas ainda é necessária em nome da sobrevivência da humanidade. Logo, ter a vida de alguém nas mãos é uma questão de poder ou de moralidade?