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Ada ou Ardor - Vladimir Nabokov

4 de novembro de 2021

Título: Ada ou Ardor
Autor: Vladimir Nabokov
Editora: Alfaguara
Gênero: Romance/Clássico
Ano: 2021
Páginas: 608
Nota:★★★☆☆
Compre: Amazon
Sinopse: Ada ou ardor reconta a duradoura relação de amor entre dois primos, Ada e Van, desde o primeiro encontro na Mansão de Ardis, em uma “América de sonho”, e ao longo de oitenta anos de arrebatamento, viagens através de continentes, separações e recomeços.
Ao narrar essa história trágica e idílica, Nabokov reinventa a própria vida. Não estamos mais na Terra, mas na Antiterra, uma espécie de espelho distorcido de nossa realidade. No mundo nabokoviano, entre outras coisas, fala-se russo nos Estados Unidos, e os telefones são movidos a água, depois de o uso da eletricidade ter sido proibido. Nessa realidade recriada, Nabokov mescla uma série de referências e estilos para narrar uma história de amor interdita, emocional, que foge a todos os padrões convencionais.

Resenha: Tendo "Lolita", de 1955, como seu romance mais conhecido, dá pra ser ter uma boa ideia dos temas que Vladimir Nabokov costuma abordar, e Ada ou Ardor, publicado originalmente em 1969 é um romance tão complexo quando ambicioso, pois além de trazer uma história que se passa na "Antiterra", uma espécie de realidade distorcida do mundo em que vivemos, Nabokov nos apresenta um romance fora dos padrões onde fica explícito tanto o incesto quanto a pedofilia.

Ao iniciar a leitura já nos deparamos com as gêmeas Marina e Aqua, que logo irão se casar com seus primos Demon e Daniel. Também no início já sabemos que entre paixões e traições dessas famílias aristocráticas do século XIX, o parentesco dos seus filhos acaba desencadeando a famigerada polêmica que gira em torno do tema do livro e da árvore genealógica da família (que está incluída nessa edição e recomendo muito que seja conferida para um melhor entendimento das relações). A história, então, vai girar em torno dos filhos desses relacionamentos: Adelaida (ou Ada) e sua irmã Lucette, e Ivan Veen (ou Van), o "primo" delas. O romance começa quando eles ainda são crianças, Van tinha 14 anos e Ada tinha 12, e com o passar do tempo essa paixão avassaladora e irresponsável, que inclusive envolve Lucette e outras pessoas, caminha para um desfecho trágico. Ada é apresentada através das memórias do Dr. Ivan Veen, que faz uma narrativa sobre seu amor ilícito e que durou toda sua vida por ela.

A construção do universo onde a história se passa no período de 1868 a 1967 é bastante interessante e curiosa. A Antiterra é bem semelhante à Terra, porém há uma enorme mistura geopolítica onde os idiomas russo, francês e inglês são falados ao mesmo tempo, assim como parece não haver distância entre um lugar e outro visto que os personagens transitam pra lá e pra cá com um passo, e o tempo está em total falta de sincronia. Um evento denominado de "desastre L" foi o responsável pela proibição da eletricidade, logo foi desenvolvido mecanismos hidráulicos para substituir a energia.

A narrativa se alterna em primeira e em terceira pessoa, floreada e muito rica ao retratar as décadas, típica de literatura clássica, com descrições minuciosas, metáforas, anagramas, trocadilhos, jogos de palavras e comparações sem a explicação pra determinada situação do que realmente é. A história é contada simultaneamente em vários períodos de tempo, com um Van idoso contando sobre os vários períodos de tempo do passado, e às vezes na primeira pessoa, enquanto a Van e Ada do "presente" discutem a narrativa do passado onde ambos são referidos em terceira pessoa. O autor também traz referências e citações de outros escritores clássicos, mas o que fica explícito mesmo é a carga de perversão e imoralidade na história. É impossível ler sem sentir o estômago revirando diante do comportamento de Val que nos dias de hoje ainda representa tanto homem por aí, seja pela visão da mulher como um mero objeto, pelo abuso infantil, assédio, ou pela ideia de se sentirem superiores e donos de alguém só por serem homens.

Não sou muito de ler obras clássicas já que uma boa parte delas aborda temas polêmicos e delicados, mas as vezes acho válido investir em leituras que passam dos limites pra servir como aprendizado.
Ada ou Ardor é aquele tipo de livro que causa incômodo, sim, mas também é um livro que fala sobre memórias, tempo, sobre amor e paixões do passado e do presente que ignoram o futuro.

Serotonina - Michel Houellebecq

4 de fevereiro de 2020

Título: Serotonina
Autor: Michel Houellebecq
Editora: Alfaguara
Gênero: Romance
Ano: 2019
Páginas: 240
Nota:★★★★★
Sinopse: Florent-Claude Labrouste tem 46 anos, detesta seu nome e toma antidepressivos que liberam serotonina e causam três efeitos colaterais: náusea, falta de libido e impotência.
Seu périplo começa em Almeria (Espanha), segue por Paris e depois pela Normandia, onde os agricultores estão em luta. A França está afundando, a União Europeia está afundando, a vida de Florent-Claude está afundando. O sexo é uma catástrofe. A cultura não é mais uma tabua de salvação – nem mesmo Proust ou Thomas Mann são capazes de salvá-lo.
Nesse contexto, Florent-Claude descobre vídeos pornográficos assombrosos em que sua atual companheira aparece, e isso é a gota d'água para que ele deixe o trabalho e passe a viver em um hotel. Perambula pela cidade, visita bares, restaurantes e supermercados. Repassa suas relações amorosas, marcadas sempre pelo desastre, que transitam entre o cômico e o patético. Ao se reencontrar com um velho amigo aristocrata, que parecia ter uma vida perfeita, mas que foi abandonado pela esposa e se vê falido, Florent-Claude aprende a manejar uma arma de fogo – que vai mudar sua vida para sempre.
Em um espiral de problemas, Florent-Claude se torna um hábil analista da contemporaneidade, de seus anseios, inseguranças e problemas. Sua vida, um reflexo do desinteresse pelo mundo, será o espelho das mais cruéis agruras da vida.

Resenha: A Serotonina é um o hormônio que atua no cérebro regulando o humor, apetite, sono, frequência cardíaca, temperatura corporal, libido, sensibilidade, funções intelectuais, e também tem papel na coagulação sanguínea e na saúde óssea. O baixo nível desse hormônio no organismo pode desencadear não só irritabilidade, insônia e algumas compulsões alimentares e emocionais, mas também ansiedade e depressão de forma que, de acordo com a gravidade do caso, é necessário a introdução de medicamentos para que o corpo volte a funcionar em equilíbrio.

Dito isto, Serotonina foi o título do mais recente livro escrito pelo autor francês Michel Houellebecq, publicado pelo selo Alfaguara da Editora Cia das Letras, que conta a história de Florent-Claude Labrouste, um homem que odeia seu nome de quarenta e seis anos que após descobrir estar sendo traído pela namorada, embora não tenha ficado totalmente surpreso, talvez por saber que seu relacionamento falido beirava o fracasso, decide sumir sem dar satisfações pra ninguém. Sem amigos e sem família, ele pede demissão no trabalho inventando que recebeu alguma proposta de emprego melhor, e vai embora levando consigo apenas uma única mala, mas, mesmo que ele pudesse viver confortavelmente com a herança deixada pelos falecidos pais, as coisas não acontecem da forma como deveria ser, pois Florent está num abismo de depressão pela falta da bendita serotonina, que fez com que ele tenha perdido o interesse pela vida.

Narrado em primeira pessoa, cheio de ironia, acidez e sem pudor algum, Serotonina faz uma análise sobre a existência do ser e da sociedade, mas não uma existência repleta de alegria e plenitude, mas uma existência a beira de um colapso. Florent não é um exemplo de cidadão politicamente correto. Ele se preocupa com status social, gosta de aparecer com coisas caras, faz julgamentos alheios como se fosse o dono da razão e não sabe lidar com relacionamentos amorosos. Seus pensamentos subversivos não causam somente a reflexão nos leitores sobre quem ele é ou como se sente, mas sobre a própria ruína da sociedade moderna que cada vez mais parece estar se afundando e dependendo de comprimidos a perder de vista para ajudá-los a empurrarem suas vidas quando a desgraça parece cercar a todos. Desemprego, caos econômico, a qualidade de vida despencando, e outros inúmeros fatores que desestabilizam o ser humano, que busca sobreviver antes de desistir, enquanto a vida está em ruínas.

A medida que a leitura avança, as vidas cheias de frustrações de outros personagens, e a própria vida de Florent, começam a ser mais aprofundadas, o que agrava a situação do personagem que está cercado de desgraças. Depender de antidepressivos que aumentam os níveis de serotonina no organismo, o "Captorix" (acredito que o verdadeiro protagonista da história), o deixa prisioneiro. A ideia de esperança, de luz no fim do túnel pra tirá-lo dessa situação parece muito distante, e é impossível não sentir aquela angústia pela trama ser desprovida de alegria, por saber que a depressão levou Florent a desistir, e que ter partido era só um meio dele reconhecer e constatar que a vida já não reservava mais nada pra ele. Carregado de arrependimentos, colecionando fracassos, frustrado amorosa e sexualmente, e totalmente deprimido, Florent é um retrato ácido, caótico e real do homem contemporâneo numa sociedade à deriva, que com certeza vai fazer com que vários leitores se identifiquem.

Serotonina é uma leitura insana, mas tão desconfortável quanto necessária sobre as consequências desencadeadas pela falta desse hormônio, e sobre a dependência da "pílula da felicidade".