Lido em: Abril de 2015
Título: Selva de Gafanhotos
Autor: Andrew Smith
Editora: Intrínseca
Gênero: Weird Fiction/Sci-Fi/Jovem adulto
Ano: 2015
Páginas: 352
Nota:
★★★★☆+16
Sinopse: Na pequena cidade de Ealing, Iowa, Austin e seu melhor amigo, Robby, libertam acidentalmente um exército incontrolável. São louva-a-deus de um metro e oitenta de altura, completamente tarados e famintos. Essa é a verdade. Essa é a história. É o fim do mundo e ninguém sabe o que fazer.
Com todos os elementos obrigatórios de um romance apocalíptico, Selva de Gafanhotos mistura insetos gigantes, um cientista louco, um fabuloso bunker subterrâneo, um mal resolvido triângulo amoroso-sexual e muita, muita confusão, e está longe de tratar apenas do fim do mundo.
Engraçado, intenso e complexo, o livro fala de um jeito inovador de adolescência, relacionamentos, amizade e, claro, de temas um tanto mais inusitados, como testículos dissolvidos e milho modificado geneticamente. Um romance surpreendente sobre a odisseia hormonal, amorosa e intelectual que é essa fase da vida.
Resenha: Selva de Gafanhotos, escrito pelo autor
Andrew Smith e publicado no Brasil pela
Intrínseca, conta a história de
Austin Szerba, um garoto descendente de poloneses que vive na pacata (e fictícia) cidade de Ealing, Iowa com os pais e um irmão. Ele tem uma namorada, Shannon Collins, e um melhor amigo, Robby Brees, e gosta muito dos dois. Muito. Em todos os sentidos.
Austin e Robby estavam andando de skate pela Selva de Gafanhotos, apelido que deram pra rua da cidadezinha, mas tiveram seus pertences jogados no telhado do prédio do shopping local por um grupo de valentões que cismaram que os dois eram "boiolas". A noite os garotos decidem ir buscar as coisas mas resolvem bisbilhotar a loja do pai de Shann e acabam descobrindo coisas pavorosas: Globos com gosmas brilhantes, feto de duas cabeças, partes do corpo flutuando em algum líquido suspeito e coisas horripilantes e medonhas do tipo. Eles ficam assustados e fogem, mas conseguem testemunhar um ladrão roubando um dos globos misteriosos, que, ao cair por acidente, se mistura com sangue humano e este é o momento exato de quando começa o fim do mundo...
O estilo do livro remete ao estranho. Falando de forma superficial, Weird Fiction é um sub-gênero da Ficção que aborda elementos sobrenaturais mas ainda assim não se enquadra em histórias tradicionais de fantasmas ou vampiros, por exemplo. É algo voltado para lado sombrio e mais inquietante das histórias por mesclar terror, fantasia e ficção científica, levantando questões que muitas vezes as pessoas não entendem.
Pensar num livro absurdo e impossível ficou fácil após ler
Selva de Gafanhotos. Acho que ninguém nunca irá encontrar tantas coisas estranhas e juntas num único livro como neste. É um livro que fala de tudo. TU-DO. Não há rodeios sobre assuntos. Desde um garoto entediado com a vida, seu irmão que teve as bolas explodidas por uma bomba no Afeganistão, homossexualidade, famílias que tiveram que mudar o sobrenome por causa da imigração, caras que sentem tesão matando alienígenas em video games, até o fim do mundo causado por uma invasão de insetos gigantes comedores de gente e loucos pra trepar.
Selva de Gafanhotos me tirou completamente da minha zona de conforto. Eu nunca li nada parecido antes e me surpreendi com a ousadia do autor, principalmente ao ler os agradecimentos ao fim do livro onde ele fala que quando escreveu o livro era pra fugir dos romances comerciais e que só queria ser livre para escrever o que quisesse, mesmo que ninguém fosse ler. Admirei o cara por isso, mesmo que ao longo do livro a impressão de que o autor só poderia ter escrito isso num estado de torpor sem fim é inquestionável. O livro é uma brisa, parece coisa de maluco e fiquei me perguntando diversas vezes de onde surgiu tanta ideia absurda pra colocar no papel. Mas, ao fim da leitura, parei pra analisar um pouco mais a fundo, e percebi que a ideia do livro, por mais esquisita que seja, é genial. E, pra mim, o autor mostrou que, fugindo de clichês e enredos nada originais, é possível conquistar leitores desde que eles tenham a mente aberta.
O livro é dividido em quatro partes e mostra gradualmente os acontecimentos que fizeram com que o fim do mundo acontecesse, desde a apresentação da cidade, o momento em que alguns habitantes que sobreviveram - incluindo Austin, Shann e Robby - se refugiam num silo chamado Éden enquanto descobrem como os bichos surgiram, até a invasão dos soldados irrefreáveis, vulgos insetos.
A capa verde florescente tem o título em alto relevo, é simples mas muito bacana pois faz referência ao experimento genético envolvendo esperma e milho, que resultou em algo brilhante, mas mortal: o Milho Irrefreável. A lateral das páginas é amarela (lembrando o milho, talvez) e é um detalhe que só colabora para a parte visual do livro. Os capítulos, em sua grande maioria, são curtos. Cada parte trás uma pata serrilhada de louva-a-deus antes do capítulo inicial e num geral gostei bastante dessa diagramação. A revisão está impecável. Posso dizer, para os entendedores, que o trabalho gráfico está um verdadeiro dínamo.
O que mais curti na história foi o fato de Austin fazer questão de usar a História para mostrar que os erros do passado podem servir de exemplo pra não se fazer merda no futuro, além de estar numa fase em que está se descobrindo no que diz respeito a sua orientação sexual. Só fiquei com pena por ele estar nessa fase confusa em pleno fim do mundo e ter que lidar com suas frustrações ao mesmo tempo em que observa gafanhotos de 1,80m de altura, comedores de gente, tarados e irrefreáveis a solta nas ruas. Sua sexualidade ainda o deixa cheio de dúvidas e ter uma namorada, mas, gostar e se sentir atraído pelo melhor amigo, que é gay, mostra o que quero dizer. Acho que o autor inovou ao colocar essa situação sendo que o protagonista é um garoto. É comum, e geralmente mais "aceitável", que garotas se sintam atraídas por suas amigas até descobrirem qual é o lance. Mas nunca tinha lido nada quando é um garoto que passa por isso. É um "triângulo" amoroso nada convencional e, por ser diferente, me agradou, sim.
Os garotos falam palavrão e também se mostram muitas vezes despreocupados e indiferentes com a gravidade da situação em que se encontram. O que tem demais num gafanhoto gigante devorando algum transeunte no meio da rua? Nada, claro. Coisas do cotidiano...
O negócio é que, talvez por essa descoberta e obsessão que Austin começou a ter por sexo (e por um
mènage consentido entre ele, Shann e Robby), o garoto vive cheio de muito tesão. Tudo é motivo pra ele ficar excitado, desde pensar em trepar com a namorada, pensar nos lábios do amigo enquanto ele fuma, ou... ver uma bituca de cigarro jogada na sarjeta! Essa coisa insistente com tesão, sexo, pau duro e afins é, no mínimo, doentia. Mas foi engraçada, confesso.
Minha única ressalva é a respeito da narrativa. É feita em primeira pessoa com Austin nos mostrando seu ponto de vista "histórico" para o apocalipse e esses seus eternos conflitos pessoais e sexuais. E por ele ser um sujeito muito detalhista, muitas vezes o que já foi explicado se repete por tantas vezes que é impossível contar. Me perdi e achei que isso atrapalhou muito. Não sei se isso faz parte do estilo da narrativa, não sei se faz parte da característica perfeccionista e detalhista de Austin querer repetir tudo um milhão de vezes pra fixar a informação nas nossas cabeças, mas achei muito desgastante esse excesso de repetição de informações. Já sabia desde o começo que os insetos são louva-a-deus de 1,80m com patas serrilhadas, famintos e que só querem uma coisa. E sempre se referir a eles usando essa mesma descrição foi um porre, fora outras informações e descrições. Acho que se não fosse por isso o livro seria reduzido pela metade na questão das páginas e o enredo seria muito menos cansativo.
Tudo acontece ao mesmo tempo, e vários fatos que ocorreram no passado da família de Austin, ou de quem ele queira fazer uma observação qualquer, também vêm à tona. Às vezes sentia que o assunto da vez era desviado com alguma lembrança ou informação sobre um personagem que apareceu de repente pra que ele fosse apresentado e devidamente identificado, e, até voltar ao que estava sendo contado antes, já tinha me esquecido do que estava sendo falado primeiro e tinha que voltar pra reler e lembrar.
No final das contas,
Selva de Gafanhotos é um puta livro que pode ser definido como único, divertido e grotesco. E talvez por isso tenha tomado uma liberdade um pouco maior pra usar certos tipos de palavras nessa resenha. E adianto que não é o tipo de livro que qualquer um vá gostar justamente pelos temas absurdos, sexuais e violentos que aparecem, e também pelo estilo bizarro da narrativa.
Recomendo? Sim. Mas sabendo que existem capítulos com títulos como "
Caiu sangue no seu presunto", "
Gente burra nunca deveria ler livros", "
Um chuveiro muito calmante", ou "
Nunca procure sorvete em um freezer de esperma", leia por sua conta e risco, ciente que se trata de um estilo único que foge totalmente do comum e que com certeza vai sacudir seus miolos...
"O lema do policial Denny Drayton estava tatuado em fonte Old English, formando um semicírculo igual a um sol nascente acima de seu umbigo branco e sem pelos.
Foda-se essa merda. Eu tenho uma arma, filho da puta."
- Pág. 245
"A história mostra que, enquanto houver seres humanos neste planeta, quando você coloca dois deles juntos, antes que você perceba, eles começam a criar regras."
- Pág. 288